Há muito o que se questionar sobre as novas regras no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), uma vez que o Brasil perde 120 vidas por dia em ruas e estradas. Essa “pandemia crônica”, que são as mortes no trânsito, perde o sentido neste momento em que a morte de 40 vezes mais pessoas, todos os dias para a Covid é banalizada. É para lá de surreal.
Como sempre, tudo o que toca a mobilidade no Brasil é focado em condutores de veículos motorizados. As principais mudanças no CTB privilegiam infratores costumazes, já que houve uma preocupante flexibilização nas regras para suspensão do direito de dirigir, no total de pontos e no número de ‘infrações gravíssimas.
Antes, a habilitação era suspensa com 20 pontos em um ano ou uma infração gravíssima dentro de uma lista. Agora, um condutor precisa 20 pontos com duas ou mais infrações gravíssimas, 30 pontos com uma infração gravíssima, ou 40 pontos, sempre no período de um ano. No caso do motorista profissional, justamente aquele que deve conduzir de forma cautelosa, a carteira só será suspensa com 40 pontos, independentemente das infrações cometidas
. Isso é indução a impunidade, a principal causa para tantas mortes em trânsito.
Para combater a impunidade, houve uma importante mudança ainda pouco comentada: no caso de homicídio culposo, quando o motorista mata sem intenção, ele deverá ser preso por dois a quatro anos. Embriaguez, excesso de velocidade, falta de habilitação, não prestar socorro são itens que podem aumentar em 1/3 a pena. Infelizmente, existe, entre os juízes, a certeza de que o sistema prisional não reeduca o criminoso, daí a eterna “passação” de mão na cabeça, com penas brandas como trabalhos sociais e cestas básicas. De fato, as cadeias do Brasil não são o local certo para se reeducar, mas é essa impunidade fomenta os crimes. Esse é um tema a ser debatido, pois quem dirige de forma descuidada e mata, deve ser punido sim.
Notícia boa é que haverá um cadastro positivo, ainda sem função específica, onde motoristas que não cometerem nenhuma infração em 12 meses, poderão ser premiados de alguma forma. Estes são a esmagadora maioria.
Em 2017, a CET de São Paulo, para defender a redução de velocidades nas marginais, divulgou que 50% das infrações recaem em apenas 5% das CNH e 70% destas não tem nenhuma infração. Isso posto, a esmagadora maioria dos condutores irá para esse cadastro positivo.
Outra mudança que preocupa, é a oficialização da conversão livre à direita no sinal vermelho. Essa regra é importada dos EUA, onde o pedestre é tão desprezível que é inexistente na esmagadora maioria das suas cidades
. As ruas de nossas cidades, ao contrário, são pujantes, repletas de gente. Essa regra, portanto, só vai penalizar ainda mais aqueles que caminham. É previsível que, nessas ruas de conversão à direita eterna, os semáforos de pedestres serão aqueles que nunca abrem, fazendo com que o cidadão a pé perca a paciência a atravesse no vermelho
. Isso é sinônimo de mobilidade insustentável, sobre o que falei em minha última coluna.
Em tom de piada, a conhecida “fina educativa”, infração em que um motorista ultrapassa o ciclista em alta velocidade a menos de 1,5 m de distância, salta de grave para gravíssima. Apesar de ter sido comemorada, essa mudança é inócua
. Em 23 anos em que essa regra existe, conta-se nos dedos o número de multas aplicadas por esse tipo de agressão e a desculpa recai na dificuldade de se comprovar a infração.
Portanto nada muda, já que as novas regras não salvarão vidas.