Barco voador na Amazônia? Essa ideia não está tão distante da realidade

Metade barco, metade avião, o veículo resolveria problemas logísticas da região amazônica. Foto: Divulgação/AeroRiver
Fellipe Gualberto
Há 14 dias - Tempo de leitura: 7 minutos, 3 segundos

Um ecranoplano, também conhecido como veículo de efeito solo ou barco voador, poderá circular pelos rios da Amazônia nos próximos anos. Ao menos, é o que promete a AeroRiver. Segundo a empresa, o primeiro protótipo em tamanho real do Volitan deve ficar pronto em 2026. Em seguida, ainda segundo a empresa, continuará a busca por parceiros que ajudem a tornar realidade o modal que pode revolucionar a logística e o transporte de passageiros na região amazônica.

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“A logística é o maior problema da Amazônia. A região tem potencial socioeconômico, mas o barco é o veículo mais utilizado, já que não há estradas conectando as cidades. O barco é lento e limitado. Por exemplo, estamos em época de seca, e alguns trechos dos rios estão intransitáveis”, conta Lucas Guimarães, diretor executivo da AeroRiver e engenheiro aeronáutico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), de São José dos Campos (SP).

O que é um ecranoplano ou barco voador?

“Um ecranoplano, ou veículo de efeito solo, é uma espécie de aeronave. A principal característica dele é voar sempre muito baixo, no caso do nosso veículo a 5 m de altura e sempre sobre as águas”, conta Guimarães.

O voo em baixa altitude cria uma espécie de colchão de ar embaixo do veículo, que o sustenta. “Surge, então, um efeito aerodinâmico chamado efeito solo. É isso que torna o ecranoplano 40% mais econômico do que se estivesse voando mais alto”, explica o engenheiro aeronáutico.

As asas de um barco voador são projetadas para jogar o ar para baixo. “Esse ar jogado para baixo gera uma zona de maior pressão, porque ele fica preso entre a asa e a superfície. Isso cria uma sustentação extra, o que significa economia de combustível”, completa Felipe Bortolete, cofundador da empresa e engenheiro aeronáutico pelo ITA.

No entanto, as naves desse modelo encontram uma limitação. Por terem de se manter sempre próximas ao solo, só podem voar sobre superfícies planas. Os especialistas deixam claro que, além dos rios amazônicos, que são uma localização ideal, o barco voador ainda poderia operar em desertos ou geleiras, por exemplo.

Volitan, um barco voador na Amazônia

“Na Amazônia, os rios se tornam as estradas, interligando as cidades. O Volitan, nesse cenário, é desenhado para cumprir o papel de uma van ou carro utilitário, veículos que andam a uma velocidade média de 100 a 110 km/h nas estradas. O Volitan vai atingir 150 km/h, interligando as regiões por meio dos rios”, promete Guimarães.

Um barco voador na Amazônia ajudaria a conectar regiões distantes sem a necessidade de derrubar a floresta para construir estradas. De acordo com os projetistas, o veículo também vai atracar nos mesmos portos já usados, sendo necessário apenas uma escada para facilitar o embarque.

Como ainda não há certificação para veículos do tipo no País, não existem regras que definem exigências para pilotar. No entanto, os engenheiros explicam que, depois de terminar a produção, darão cursos para os profissionais já acostumados a conduzir barcos.

Guimarães e Bortolete defendem que o barco poderá transportar até 10 pessoas ou 1 tonelada, ainda com a opção de comportar uma combinação dos dois. Atualmente, o Volitan está em fase de projeto, com um protótipo que possui um sexto do tamanho original e já está em fase de voo.

Por fim, o barco voador da Amazônia usará motor a gasolina, escolha feita devido ao combustível ser abundante na região e ao motor ser mais leve que um movido a diesel. “A estimativa de preço é entre R$ 2,5 milhões e R$ 3 milhões por unidade. A pessoa ou empresa que comprar deve ter o retorno do investimento em até três anos, transportando pessoas ou cargas”, estima Bortolete.

Mais agilidade na região

Uma viagem de barco entre Manaus e Parintins, duas grandes metrópoles amazonenses, cobre 437 km. O percurso é feito em 24 horas de barco (por R$ 140) ou em 10 horas de lancha (por R$ 500). Os engenheiros ainda ressaltam que, no sentido contrário à correnteza, o tempo pode ser ainda maior.

Também é possível cumprir esse trajeto em 1h10 a bordo de um avião (por R$ 675). No entanto, são poucas as cidades amazônicas que possuem aeroporto. Para efeito de comparação, o trajeto Manaus-Parintins poderá ser feito em 3 horas de viagem (por R$ 300) com o Volitan, de acordo com os projetistas.

Sendo assim, o barco voador se apresenta não apenas como uma opção mais rápida, mas também como um veículo que terá acesso a cidades sem aeroporto em um tempo mais curto.

Em viagens menores, a estimativa dos engenheiros é de que o barco voador da Amazônia tenha passagens 10% mais caras que um barco tradicional. No entanto, o tempo consideravelmente menor fará o modal ser atraente. “Queremos que ele seja o transporte do dia a dia”, afirma Guimarães.

Benefícios econômicos e sociais

Protótipo com um sexto do tamanho já voa e serve como exemplo. Foto: Divulgação/AeroRiver

“Manaus e Belém são os dois polos que conseguem processar e exportar açaí na região. A fruta tem uma vida útil curta após a colheita, precisando ser rapidamente consumida. Por isso, apenas as cidades próximas a esses centros conseguem plantar e comercializar”, explica Bortolete.

De acordo com o engenheiro, municípios mais distantes têm potencial produtivo e poderiam exportar o açaí, inclusive internacionalmente, mas ficam excluídas desse ciclo devido às dificuldades logísticas. “Com o Volitan, possibilitamos que essas regiões mais remotas participem da economia”, defende ele.

O potencial já está na mira de outros atores locais. Um dos patrocinadores do projeto é o grupo varejista Bemol, o maior da região Norte. “A Bemol realiza muitas entregas para o interior, majoritariamente de barco. Eles pretendem utilizar o nosso veículo para se destacar e entregar mais rápido”, explica Guimarães.

A projeção é que um modal como esses possa gerar emprego, inserir regiões isoladas na economia e até mesmo transportar trabalhadores de áreas afastadas para grandes centros, permitindo que se formalizem.

Por fim, a utilização do barco voador na Amazônia também poderia beneficiar a população local de outros modos, permitindo, por exemplo, a patrulha dos rios e das fronteiras internacionais, o transporte de crianças para a escola ou até mesmo o resgate de doentes e feridos no interior, os transportando para grandes hospitais nas cidades maiores.

A operação no Brasil

Ainda não há nenhum ecranoplano certificado no Brasil. Por isso, a construção do Volitan enfrenta alguns desafios adicionais. Os engenheiros responsáveis estão em tratativas com a Marinha, Aeronáutica e empresas privadas enquanto desenvolvem o projeto, buscando aprovação para voar.

“A certificadora nos passa os requisitos. Em uma primeira etapa, enviamos relatórios demonstrando se o veículo será capaz de cumprir estes. Eles analisam os relatórios e constataram que o veículo está dentro das especificações”, conta Bortolete.

Atualmente, a empresa certificadora está acompanhando a construção do protótipo. Em seguida, deverá acompanhar a construção do veículo em tamanho real, que deve ocorrer até 2026. Por fim, ainda será necessário obter regulamentação, o que pode ser agilizado se a Marinha optar por seguir regras internacionais já estabelecidas.

Uma relíquia da Guerra Fria

Os ecranoplanos surgiram na União Soviética e eram estratégicos no contexto da Guerra Fria. As naves que voavam em baixas alturas não eram detectadas pelos radares inimigos que vasculhavam os céus nem pelos sonares presentes na água. Na época, os veículos tinham capacidade para 540 toneladas de carga.

O mais emblemático dos barcos voadores soviético ficou conhecido como “Monstro do Mar Cáspio”. Com 73 metros de comprimento e 44 m de envergadura, ele podia transportar até 50 pessoas. Atualmente, após o término dos conflitos, alguns exemplares estão abandonados em praias russas e até mesmo no Mar Cáspio, rota em que costumavam a causar muito terror.