Godoy_presidente da Abeifa_foto: Divulgação
Não há uma conversa sobre carro elétrico que o economista Marcelo Godoy, presidente da Associação Brasileira das Empresas Importadoras e Fabricantes de Veículos Automotores (Abeifa), não insista em um tema: é preciso informar melhor o consumidor sobre as vantagens dessa tecnologia.
O executivo destaca que até hoje muita mentira e desinformação são disseminadas nos meios de comunicação para desqualificar os automóveis híbridos e movidos a bateria. “Cabe a nós, inseridos nesse segmento, educar e esclarecer o cliente”, afirma. Godoy também é presidente da Volvo do Brasil, marca que não oferece mais modelos com motor a combustão.
Nessa entrevista ao Mobilidade Estadão, ele fala dos desafios da eletrificação brasileira.
O cenário macroeconômico está bagunçado não só pelos tarifaços de Trump, mas pela reorganização que o mundo vem enfrentando. O alvo principal dele é a China, que fabrica muita coisa. Antes, era conveniente comprar produtos chineses, que são agressivos na prática de preços. Só que, agora, a demanda interna pelas mercadorias chinesas vem aumentando.
Como consequência, quem dependia das exportações para lá está sentindo na pele essa situação. Cada país deveria produzir o que tem de melhor e não achar que pode fazer absolutamente tudo.
Precisamos preparar o terreno para não sofrer abalos. Somos exportadores de commodities e devemos manter relações comerciais com China e Estados Unidos. O potencial do nosso Produto Interno Bruto (PIB) para um crescimento sustentável é de 2%.
Acima disso, já cria instabilidade, como a inflação. Dessa forma, o que precisamos é ter capacidade para elevar o PIB a 3,5% sem efeitos colaterais. O principal motor da indústria brasileira é o setor automotivo, que ganhou como novo personagem o veículo eletrificado.
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Desafios como esses estavam em nosso radar desde quando assumi a presidência da Abeifa, em dezembro de 2023. Claro que o cenário pode se agravar, mas os riscos estavam postos na mesa e precisamos lidar com eles.
Na década passada, o Brasil chegou a vender 3,6 milhões de carros por ano, com potencial para chegar a 5 milhões. Podemos recuperar esse patamar. Passou da hora de o setor automotivo entrar nessa jornada de peito aberto.
Um exemplo: a frota circulante de automóveis é a mais velha já registrada no Brasil. A substituição gradativa dela já causaria um ganho enorme nas vendas de carros zero-quilômetro.
Os números são positivos, mesmo existindo uma retórica ruim sobre eletrificados no País. É importante dizer que o carro elétrico não é para todos, mas defendemos que a tecnologia dele esteja em todos os automóveis. Os associados da Abeifa respondem por 50% das vendas de eletrificados e não consideramos mais os veículos híbridos leves (MHEV) como eletrificados.
É uma competição saudável com as fabricantes já estabelecidas no Brasil, que precisam se readaptar, melhorar a eficiência e entender que jogo está sendo disputado. Outros setores já passaram por isso. A indústria de calçados, por exemplo, sofreu com a concorrência dos chineses, mas se reinventou e, hoje, é um setor robusto que faz frente aos orientais.
A desinformação é a principal e as marcas são culpadas nisso, porque ainda não transmitem informações precisas ao consumidor. Precisamos educar o cliente de automóvel elétrico. A dita desvalorização do elétrico é uma falácia. O Volvo EX30 depreciou apenas 7% em um ano de uso.
A desvalorização acontece só no carro elétrico ou é uma perda na indústria como um todo? Em alguns casos, a pessoa compra veículo com bônus e, mais tarde, isso se reflete na revenda. Outro mito diz respeito à bateria.
Temos estudos com 50 carros que rodaram 250 mil quilômetros e suas baterias perderam apenas 10% da eficiência. O componente dura de 15 a 20 anos e depois é destinado à segunda vida. Outra mentira é a impossibilidade de fazer longas viagens. Atualmente, as autonomias chegam a 500, 600 quilômetros.
E, por fim, existe a crença de que carro se incendeia facilmente. Para cada 10 carros que pegam fogo, só um é elétrico. É preciso acabar com essas mentiras, o cliente precisa ser bem informado.
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As concessionárias têm papel importante, porque precisam ser sinceras quando o carro elétrico não é o ideal para o cliente. Se ele é o único veículo da família, o mais adequado é o híbrido. Agora, se for o segundo carro, então não há compra melhor. Muita gente, porém, prefere espalhar a desinformação.
Não sei, mas prefiro ver a solução. Vamos lembrar a evolução de alguns setores. Quando surgiu o celular, as pessoas reclamavam da falta de um teclado convencional. Mais tarde, foi lançado o teclado digital, sensível ao toque. A tecnologia de um produto novo precisa ser explicada de forma exaustiva ao cliente.
Também devemos melhorar a informação sobre os hubs de recarga existentes em cidades como São Paulo. São seis, além dos pontos convencionais. Sou contra o uso de dinheiro público para aumentar a infraestrutura, porque o Brasil tem outras prioridades. Isso deve partir da iniciativa privada, inclusive das montadoras.
Não temos uma queda de braço, mas tento defender os interesses dos nossos associados, sempre buscando o equilíbrio nas decisões sobre a indústria automotiva.
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