Carro elétrico: ‘Precisamos informar melhor o consumidor’, diz Marcelo Godoy, executivo da Abeifa

Para o executivo, investimentos em infraestrutura de recarga devem partir da iniciativa privada. Foto: Volvo do Brasil/Divulgação

Há 4h - Tempo de leitura: 5 minutos, 31 segundos

Não há uma conversa sobre carro elétrico que o economista Marcelo Godoy, presidente da Associação Brasileira das Empresas Importadoras e Fabricantes de Veículos Automotores (Abeifa), não insista em um tema: é preciso informar melhor o consumidor sobre as vantagens dessa tecnologia.

O executivo destaca que até hoje muita mentira e desinformação são disseminadas nos meios de comunicação para desqualificar os automóveis híbridos e movidos a bateria. “Cabe a nós, inseridos nesse segmento, educar e esclarecer o cliente”, afirma. Godoy também é presidente da Volvo do Brasil, marca que não oferece mais modelos com motor a combustão.

Nessa entrevista ao Mobilidade Estadão, ele fala dos desafios da eletrificação brasileira.

As taxas impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afetarão as importações de carro elétrico para o Brasil?

O cenário macroeconômico está bagunçado não só pelos tarifaços de Trump, mas pela reorganização que o mundo vem enfrentando. O alvo principal dele é a China, que fabrica muita coisa. Antes, era conveniente comprar produtos chineses, que são agressivos na prática de preços. Só que, agora, a demanda interna pelas mercadorias chinesas vem aumentando.

Como consequência, quem dependia das exportações para lá está sentindo na pele essa situação. Cada país deveria produzir o que tem de melhor e não achar que pode fazer absolutamente tudo.

A relação Estados Unidos-China vai impactar a indústria automotiva brasileira?

Precisamos preparar o terreno para não sofrer abalos. Somos exportadores de commodities e devemos manter relações comerciais com China e Estados Unidos. O potencial do nosso Produto Interno Bruto (PIB) para um crescimento sustentável é de 2%.

Acima disso, já cria instabilidade, como a inflação. Dessa forma, o que precisamos é ter capacidade para elevar o PIB a 3,5% sem efeitos colaterais. O principal motor da indústria brasileira é o setor automotivo, que ganhou como novo personagem o veículo eletrificado.

Leia também: Veja por que o motor dos carros elétricos precisa de cuidados

As decisões de Trump pegaram o setor de surpresa?

Desafios como esses estavam em nosso radar desde quando assumi a presidência da Abeifa, em dezembro de 2023. Claro que o cenário pode se agravar, mas os riscos estavam postos na mesa e precisamos lidar com eles.

Na década passada, o Brasil chegou a vender 3,6 milhões de carros por ano, com potencial para chegar a 5 milhões. Podemos recuperar esse patamar. Passou da hora de o setor automotivo entrar nessa jornada de peito aberto.

Como chegar a 5 milhões de vendas?

Um exemplo: a frota circulante de automóveis é a mais velha já registrada no Brasil. A substituição gradativa dela já causaria um ganho enorme nas vendas de carros zero-quilômetro.

No primeiro trimestre deste ano, foram vendidos 40 mil carros eletrificados no Brasil. Esse ritmo de crescimento era esperado?

Os números são positivos, mesmo existindo uma retórica ruim sobre eletrificados no País. É importante dizer que o carro elétrico não é para todos, mas defendemos que a tecnologia dele esteja em todos os automóveis. Os associados da Abeifa respondem por 50% das vendas de eletrificados e não consideramos mais os veículos híbridos leves (MHEV) como eletrificados.

Recentemente, a Omoda Jaecco desembarcou no País. O mercado comporta a chegada de mais fabricantes chinesas de eletrificados?

É uma competição saudável com as fabricantes já estabelecidas no Brasil, que precisam se readaptar, melhorar a eficiência e entender que jogo está sendo disputado. Outros setores já passaram por isso. A indústria de calçados, por exemplo, sofreu com a concorrência dos chineses, mas se reinventou e, hoje, é um setor robusto que faz frente aos orientais.

Quais dificuldades os elétricos ainda enfrentam no Brasil?

A desinformação é a principal e as marcas são culpadas nisso, porque ainda não transmitem informações precisas ao consumidor. Precisamos educar o cliente de automóvel elétrico. A dita desvalorização do elétrico é uma falácia. O Volvo EX30 depreciou apenas 7% em um ano de uso.

A desvalorização acontece só no carro elétrico ou é uma perda na indústria como um todo? Em alguns casos, a pessoa compra veículo com bônus e, mais tarde, isso se reflete na revenda. Outro mito diz respeito à bateria.

Temos estudos com 50 carros que rodaram 250 mil quilômetros e suas baterias perderam apenas 10% da eficiência. O componente dura de 15 a 20 anos e depois é destinado à segunda vida. Outra mentira é a impossibilidade de fazer longas viagens. Atualmente, as autonomias chegam a 500, 600 quilômetros.

E, por fim, existe a crença de que carro se incendeia facilmente. Para cada 10 carros que pegam fogo, só um é elétrico. É preciso acabar com essas mentiras, o cliente precisa ser bem informado.

Leia também: Carro elétrico: supercarregador da BYD, eletroposto móvel e parcerias são algumas das novidades

De que forma educar o consumidor?

As concessionárias têm papel importante, porque precisam ser sinceras quando o carro elétrico não é o ideal para o cliente. Se ele é o único veículo da família, o mais adequado é o híbrido. Agora, se for o segundo carro, então não há compra melhor. Muita gente, porém, prefere espalhar a desinformação.

A quem interessa fazer isso?

Não sei, mas prefiro ver a solução. Vamos lembrar a evolução de alguns setores. Quando surgiu o celular, as pessoas reclamavam da falta de um teclado convencional. Mais tarde, foi lançado o teclado digital, sensível ao toque. A tecnologia de um produto novo precisa ser explicada de forma exaustiva ao cliente.

A infraestrutura de recarga ainda é uma barreira para a eletrificação no Brasil?

Também devemos melhorar a informação sobre os hubs de recarga existentes em cidades como São Paulo. São seis, além dos pontos convencionais. Sou contra o uso de dinheiro público para aumentar a infraestrutura, porque o Brasil tem outras prioridades. Isso deve partir da iniciativa privada, inclusive das montadoras.

Como é a relação com a Associação Nacional das Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que lutou pelo imposto de 35% na importação dos elétricos?

Não temos uma queda de braço, mas tento defender os interesses dos nossos associados, sempre buscando o equilíbrio nas decisões sobre a indústria automotiva.

Leia também: O setor automotivo brasileiro está preparado para os grandes desafios do País e no mundo