Dia 20 de junho de 2012 marcou o início da minha trajetória em favor do desenvolvimento sustentável. Foi nessa data que participei da Conferência ONU Rio+20, que teve como tema ‘O futuro que queremos’.
Perto de comemorar uma década dedicada, profissionalmente, à agenda da sustentabilidade, tenho uma confissão: durante boa parte dessa jornada, sofri da chamada síndrome do impostor, termo cunhado, em 1978, pelas psicólogas norte-americanas Pauline Clance e Suzanne Imes. A condição é determinada como uma experiência de desordem de autopercepção, baseada na ideia de falsidade intelectual ou, simplificando, medo de parecer uma fraude.
Bem, contar essa história aqui, e não em uma sessão de terapia, tem dois motivos inter-relacionados. Primeiro, a situação está sob controle; segundo, o futuro chegou. Digo isso porque, no meu caso, boa parte da insegurança era desencadeada do medo associado à tarefa de trabalhar com tendências e comportamentos, comumente, ligados às futuras gerações. Em sã consciência, quem imaginaria, há dez anos, que, hoje, no Brasil, estaríamos perto de comemorar 100 mil veículos eletrificados?
Mas havia uma pandemia no meio do caminho e, em meio ao trágico capítulo da maior crise sanitária do nosso tempo, vieram conquistas significativas e sem precedentes no campo da mobilidade. No contexto atual, em que a incorporação da agenda verde por parte da sociedade e das empresas é definitiva e definidora das tendências, a eletrificação deixou de ser pauta futurista; pelo contrário, tornou-se um desafio a ser respondido em tempo recorde.
Ano de eleição, apetite político em alta pelos compromissos ESG – sigla, em inglês, para meio ambiente, social e governança –, tem tudo para ser a temporada em que o grande público vai passar a entender por que especialistas têm falado em década de ouro da eletrificação.
Para que isso seja possível, antes de mais nada, é preciso trazer segurança jurídica com base na regulação setorial. Hoje, por exemplo, empresas de recarga ainda possuem incertezas legais sobre o modelo de cobrança dos usuários finais, embora algumas já estejam realizando operações de pagamento, como a startup Tupinambá – que, recentemente, recebeu investimento milionário liderado pela Raízen – ou ainda a Neoenergia, em seu corredor verde, resultado do projeto de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), regulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Bom que se diga que os corredores verdes – que se propõem a promover as ligações intermunicipais para os carros elétricos – já existem em diversas das principais rodovias pelo País, permitindo viagens longas. Quando o assunto é malha de recarga nas cidades, já são mais de mil pontos públicos de recarga pelo Brasil, que devem triplicar ainda este ano.
Outra medida urgente é a popularização da frota eletrificada comercializada em território nacional. Hoje, são por volta de 60 modelos vendidos a partir de R$ 149 mil. Mas, para os próximos meses, já existem montadoras comprometidas com veículos na faixa dos R$ 100 mil.
Por fim e, mais do que nunca, é preciso promover a educação da população sobre essa novidade, altamente, disruptiva e, por consequência, carregada de dúvidas. Em um ambiente digital hostil e atravessando a era da pós-verdade, temos um cenário repleto de fake news. E, dos grandes temas a serem desmistificados, talvez o maior seja o mito das baterias.
Não são raras as postagens enganosas sobre o assunto, como se as baterias fossem um passivo ambiental comparável aos carros a combustão. A verdade é que, além da longa vida útil no veículo de origem, elas ainda possuem ciclos adicionais e valor comercial por muitos anos, antes de serem recicladas.
Pelo mundo brotam respostas eficientes sobre esse assunto. Vejamos a experiência chinesa. Por lá, as baterias de veículos elétricos passaram a ter regulamentação formal em 2018, e, no ano passado, Pequim emitiu diretivas que abordam todos os aspectos da economia circular em torno das baterias. Em 2020, eles coletaram cerca de 200 mil toneladas, ou 25 GWh. Para 2025, são esperadas, aproximadamente, 980 mil toneladas, ou 125 GWh de resíduos de baterias, na China, onde já existem mais de 3 mil empresas de reciclagem que operam em 10 mil centros por todo o país.
Com planejamento, o Brasil tem tudo para ser protagonista do setor automotivo mundial, que avança a passos largos na mudança de matriz energética veicular. Mais carros elétricos pelas cidades, menos embaixadores da mobilidade na terapia.