Vai até amanhã, dia 8/09, a consulta pública aberta pelo governo federal que discute a retirada da obrigatoriedade do curso teórico para candidatos que buscam a primeira Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A consulta também trata de outros pontos de uma resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), como o processo de atualização dos instrutores, a realização de aulas e exame em veículo de câmbio automático (com restrição na habilitação) e aumento do prazo para conclusão dos processos de habilitação.
A proposta que tem gerado maior polêmica é a que pretende permitir que o candidato estude sozinho para obter a habilitação nas categorias A (motos) e B (carros e quadriciclos). A norma, em análise pela sociedade, diz o seguinte: “com exceção do curso teórico de direção defensiva e de conceitos básicos de proteção ao meio ambiente relacionados com o trânsito, nos termos do § 1º do Art. 148 do CTB, é opcional para o candidato a realização de quaisquer cursos teóricos de formação”. Finalizada a consulta, a opinião das pessoas e de entidades será analisada por membros do Contran, e o resultado será publicado no Diário Oficial da União.
Polêmica
Na página do governo para consulta, havia mais de 1,2 mil comentários sobre esse ponto. A maioria é contra a mudança, pois avalia que a aula teórica, com um instrutor, é uma questão de segurança. “Entendo como um retrocesso a retirada da obrigatoriedade do curso teórico. Ao meu entender, o processo deveria ser ainda mais complexo e completo”, diz Danielly Donadelli Duarte. “Não podemos retroceder. É necessário maior carga horária para aprender com efetividade todas as situações de trânsito”, opina Niele Rosales.
Mas há também quem defenda a nova proposta, como Valverde Dutra do Vale. “O cidadão deve pagar instruções para aprender a dirigir somente se quiser. Cabe ao Detran ter responsabilidade e ser exigente em suas avaliações teóricas e práticas”, comenta.
Para Sergio Avelleda, consultor e coordenador do núcleo de mobilidade urbana do laboratório Arq.futuro de cidades do Insper, a medida é um retrocesso que precisa ser evitado. “Diminuir a carga de estudos de um motorista, a oportunidade de escutar a voz dos instrutores, experientes, irá contribuir para uma formação mais frágil. A formação teórica é fundamental, e retirar a obrigatoriedade das aulas presenciais só faz com que ela se apresente com menos importância ao futuro motorista”, explica.
Para o especialista, estudar sozinho e estudar com orientação são coisas distintas. “A formação do motorista no Brasil já é bastante frágil quando comparada com alguns países europeus. A oportunidade de escutar orientações de professores facilita o aprendizado, aprofunda os conceitos e dá importância ao ato de dirigir, que não é banal”, diz.
Para Avelleda, seria fundamental que houvesse um rigor maior para a concessão das carteiras de habilitação no País, não o contrário. Além disso, ele acredita que o curso deveria focar a relação do motorista com os mais frágeis: os pedestres e ciclistas.
“Deveria fazer parte da formação, bem como da prova, a vivência do candidato a motorista como pedestre e, se possível, como ciclista. Um candidato deveria caminhar e pedalar pela cidade por pelo menos uma hora para cada modalidade, orientado por um instrutor, para que ele pudesse perceber como é, além do seu dever de proteger os mais frágeis”, acredita.
Outro aspecto que a formação deveria contemplar, segundo Avelleda, é a percepção do risco do ato de dirigir. “Seria fundamental incutir no candidato a ideia do risco que a velocidade representa. Choques simulados por meio de equipamentos específicos, dando a exata sensação do perigo da velocidade, além de vídeos e equações que mostram o perigo exponencial da velocidade, deveriam ser incluídos na formação e nos exames dos candidatos”, finaliza.
De acordo com Claudia Moraes, CEO da Procondutor, empresa especializada em educação digital para o trânsito que produz conteúdo para formação, capacitação e reciclagem de condutores, reverter a alta mortalidade do nosso trânsito passa por uma mudança urgente de comportamento. “Essa é uma dor que impacta a sociedade em todos os níveis. É preciso que haja conscientização das pessoas de que grande parte dos acidentes são resultado de negligência e imperícia e, também muito importante, de falta de capacitação adequada”, afirma.