A eletromobilidade tem sido um tema bastante discutido no país.
Por Daniela Saragiotto
Até 2030, o Brasil precisa reduzir suas emissões de gases causadores do efeito estufa em 43%, de acordo com compromisso firmado, em 2016, durante o Acordo de Paris na Convenção de Clima da Organização das Nações Unidas (ONU). Com isso, o interesse pela eletromobilidade tem aumentado. Tão importante quanto cumprir diretrizes internacionais de cooperação, trata-se, também, de uma questão de saúde pública: segundo dados do WRI Brasil, estima-se que a poluição do ar nas principais regiões metropolitanas e capitais do País esteja ligada a cerca de 20,5 mil mortes ao ano em decorrência de doenças cardiovasculares e respiratórias
e seja responsável, ainda, por 5,2% das internações de crianças e 8,3% de adultos por doenças respiratórias. O custo anual das hospitalizações e ausências no trabalho chega a R$ 30 milhões.
Considerando o impacto do setor de transportes para que o Brasil possa atingir tais metas de mitigação de emissões, muito se discute – e pouco se faz – sobre a implementação de políticas públicas para a mobilidade elétrica no Brasil, sobretudo no transporte coletivo. Os novos contratos de concessão do sistema de ônibus na cidade de São Paulo, por exemplo, exigem das empresas redução em 55,3% a emissão de gás carbônico, 90,2% de óxido de nitrogênio e 90,8% de material particulado em dez anos
, mas, atualmente, a frota de elétricos da capital paulista é composta por apenas 16 veículos
, de acordo com a Prefeitura de São Paulo. Recentemente, um importante passo foi dado com o lançamento da Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica (PNME), que reúne representantes de mais de 30 instituições da indústria, do governo, da sociedade civil e das universidades, todos comprometidos com o desenvolvimento desse setor no Brasil.
Os trabalhos na PNME começaram, oficialmente, em fevereiro deste ano, mas, antes disso, no segundo semestre de 2109, foi realizado um diagnóstico com os participantes, que concluiu a necessidade de realizarem uma pesquisa para compreender a opinião da população sobre o tema. A coordenação dos participantes na plataforma é feita pelo Ministério Alemão de Cooperação Econômica e para Desenvolvimento, por meio da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ), empresa do governo alemão especializada em projetos de cooperação técnica e de desenvolvimento sustentável em escala mundial, e do Instituto Clima e Sociedade (iCS) . “Avançamos muito neste ano, trabalhando em um plano para a mobilidade elétrica no País, que, agora, precisa ser validado, discutido e colocado em prática”, afirma Marcel Martin, coordenador do portfólio de transportes do iCS e coordenador executivo da PNME.
Combustíveis fósseis, mudanças no transporte coletivo, intenção de compra de carros elétricos e outros aspectos do estudo contribuíram para a construção de um plano para o setor
Em torno de 92% da população brasileira concorda com a eletrificação do transporte público, além de perceberam que a transição para a energia elétrica é mais sustentável que os combustíveis de origem fóssil. Essas são algumas das conclusões do estudo encomendado pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS) e que foi apresentado durante a 1ª Conferência da Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica (PNME), realizada entre 16 e 19 de novembro passado.
A pesquisa comparou dados de 2017 e de 2020 sobre o uso de combustíveis fósseis e a transição energética, e teve uma amostra de 2 mil respondentes, de todas as regiões do Brasil e de diferentes faixas etárias, escolaridades e classes socioeconômicas. De maneira geral, na comparação com os resultados do estudo de 2017, destaca-se o fato de que, neste ano, mais que dobrou o número de pessoas que identificam como muito negativo o impacto do uso de combustíveis derivados do petróleo na qualidade do ar (passando de 11% para 25% do total) e nas mudanças climáticas (13% para 25%)
, o que reforça a hipótese de uma ampliação de consciência da população com relação a esse aspecto dos combustíveis fósseis. “Estamos em um momento de transição. Há três anos, as pessoas consideravam os combustíveis fósseis como um mal necessário e não conseguiam enxergar uma saída. Hoje, existem alternativas que vêm sendo implementadas no mundo todo, especialmente no transporte coletivo”, diz Marcel Martin, coordenador do portfólio de transportes no iCS e coordenador executivo da PNME.
Há três anos, 16% das pessoas declaravam a compra de um carro elétrico como “muito provável”. Atualmente, esse percentual passou para 33% do total de respondentes do estudo
. Se incluirmos também as pessoas que responderam à mesma pergunta como “um pouco provável”, a intenção de ter um carro elétrico passou de 46% para 71% das pessoas em apenas três anos. “Hoje temos mais informação sobre o funcionamento desses veículos, as baterias evoluíram muito nos últimos anos, tanto em relação aos materiais usados em sua fabricação, hoje menos poluentes, como na duração. Todos esses aspectos, mais os ganhos ambientais, têm feito a população considerar a compra de um carro elétrico”, explica Martin.
Para endereçamento de todas as demandas identificadas na pesquisa em um grande plano de mobilidade elétrica para o País, a PNME tem o apoio de uma Comissão de Ciência & Tecnologia, que reúne nomes relevantes da pesquisa no tema no Brasil – como Poli-USP, Unicamp, Instituto Mauá de Tecnologia, UFRJ, Universidade Federal de Goiás, WRI Brasil, Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD). Na comissão, há dois grupos com foco no tema: um trabalha em projetos para a eletrificação do transporte público; outro, na formação profissional especializada na área. “Nosso propósito é fomentar pesquisas, projetos, soluções e tecnologias dos tomadores de decisão para a construção de políticas públicas para o setor”, explica Martin.
Como próximos passos, a PNME elenca dois focos principais, além de seguirem na discussão e validação do plano. “Iremos nos concentrar, principalmente, nos projetos em ônibus, além de iniciativas para eletrificação do transporte de cargas urbanas. Como resultado, já temos uma frota encomendada pela Ambev para essa finalidade”, explica Martin. Para ele, é fundamental que haja maior concorrência no segmento no País. “Temos o desafio de mudar a lógica do mercado. Em outros países, as montadoras já estão olhando para esse futuro, mas, aqui, a discussão é tímida. Precisamos focar na transição do veículo movido por combustíveis fósseis para o de zero emissão. O Brasil tem de olhar para a economia do futuro, que, com certeza, não é baseada nos veículos movidos a combustíveis fósseis”, finaliza.