O jovem argentino Di Si jogava nas categorias de base do Huracán, quando trocou a chance de profissionalização por uma bolsa de estudos nos Estados Unidos, ponto de partida para ingressar no mundo corporativo. Lá, colocou em prática as lições assimiladas dentro dos campos, como a de ter uma visão estratégica dos negócios e pensar no coletivo.
O futebol dos hermanos perdeu um volante promissor, mas a Volkswagen ganhou um executivo de primeira. Afinal, desde outubro de 2017, Pablo Di Si, 50 anos, está batendo um bolão na Volkswagen América do Sul. Presidente e CEO da marca na região, ele vem liderando uma série de lançamentos de SUVs e também o processo de eletrificação da montadora no Brasil.
Bacharel em administração, com especialização em finanças, pela Loyola University of Chicago, Di Si também foi eleito, em abril de 2017, presidente da AHK Argentina (Câmara de Indústria e Comércio Argentina-Alemanha).
Apesar dos laços criados com o Brasil, só não peça para ele dizer se tem simpatia por algum clube brasileiro. Seria como marcar um gol contra.
“Esteja onde estiver, só torço para o River Plate”, decreta. Ou seja, veste a camisa do time de coração com a mesma paixão – e exclusividade – que defende os interesses da Volkswagen. Para falar sobre o caminho da eletrificação da marca, Di Si concedeu a seguinte entrevista para o Mobilidade:
Como estão os planos de eletrificação da Volkswagen no Brasil e na América do Sul?
Pablo Di Si: Globalmente, a Volkswagen está investindo 73 bilhões de euros, que resultarão em 130 veículos eletrificados – 70 totalmente elétricos e 60 híbridos –, ou seja, um portfólio bastante agressivo. Para mim, como presidente da marca na América do Sul, será muito fácil escolher os automóveis mais apropriados para o nosso mercado, e muitos chegarão nos próximos quatro anos. Demos o primeiro passo, em 2019, com o lançamento do Golf GTE híbrido plug-in. A estratégia de descarbonização da Volkswagen quer neutralizar as emissões de dióxido de carbono (CO2) até 2050 e, para isso, modelos elétricos vão se juntar aos híbridos e flex na região da América do Sul. Vale ressaltar que o volume de investimentos também será usado para a construção de fábricas de bateria e desenvolver softwares e plataformas de carros elétricos na Europa.
Os próximos lançamentos serão os elétricos ID.3 e ID.4, que, em setembro, foram mostrados para a imprensa sul-americana?
Di Si: Os dois são o que existe de mais moderno em eletrificação da Volkswagen, mas a decisão ainda não foi tomada. Em dezembro, jornalistas, concessionários e consumidores brasileiros terão a oportunidade de fazer o test drive para conhecer os modelos. Eu já os dirigi e posso adiantar que eles impressionam em todos os sentidos. Estão muito à frente de seu tempo, devido ao design moderno e ao grau de tecnologia que possuem.
A seu ver, os híbridos são uma transição para os carros 100% elétricos ou as duas propostas poderão conviver juntas?
Di Si: Penso que eles poderão caminhar lado a lado. O veículo híbrido é uma boa solução para o meio ambiente e o híbrido flex é o melhor dos dois mundos, porque tem propulsão elétrica e o motor a combustão pode trabalhar com etanol, o que garante autonomia muito ampla. Por enquanto, o carro elétrico é mais adequado para rodar na cidade, por causa da pouca infraestrutura de recarga nas estradas. No entanto, é o consumidor quem definirá o futuro do elétrico e o que será oferecido no mercado.
Por falar em recarga, a Volkswagen vem investindo na expansão da rede no Brasil?
Di Si: A expansão da infraestrutura de recarga deve ser um trabalho das montadoras e das iniciativas pública e privada. Cada um precisa fazer sua parte. A Volkswagen, ao lado de Porsche, Audi, Siemmens e EDP, empresa portuguesa do setor elétrico, formam uma parceria para a instalação de estações de recarga de veículos elétricos em corredores nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina, em um investimento de quase R$ 33 milhões. A ideia é que o usuário encontre um posto de recarga a cada 120 quilômetros. A massificação dos carros elétricos está diretamente ligada à capilaridade de postos. A Alemanha, por exemplo, primeiro, criou uma infraestrutura adequada para, depois, colocar os carros elétricos nas ruas.
Como é comandar a eletrificação da Volkswagen em um País que não oferece políticas públicas nesse sentido?
Di Si: Penso que a discussão deve ser conjunta. Há uma questão muito importante sobre geração de energia renovável para os carros elétricos, uma vez que o Brasil, vira e mexe, está às voltas do risco de apagão. Quando essa ameaça acabar de uma vez por todas, nossa indústria vai acelerar ainda mais o desenvolvimento do veículo elétrico. Cada país tem suas peculiaridades. No Uruguai, por exemplo, venta muito à noite, criando um ecossistema favorável em que a geração de energia é melhor durante esse período. As autoridades têm de observar a cadeia automotiva como um todo, e a vantagem do Brasil é ter energias renováveis, como água, vento, sol e etanol, que podem alimentar o carro eletrificado. Elas podem atuar como estratégias complementares.
O senhor vislumbra uma fábrica de carros elétricos no Brasil?
Di Si: Difícil. Esse empreendimento custa bilhões, e não vejo a menor perspectiva para isso acontecer por aqui. A fabricação de modelos híbridos é mais fácil e, uma vez aprovado pelo consumidor, o sistema híbrido flex ganhará força no País. De toda forma, acredito que o carro elétrico estará mais disseminado, no Brasil, em 2029, 2030. A exemplo do que aconteceu com os telefones celulares, ele ainda é caríssimo, mas, daqui a alguns anos, o preço não será mais o tema principal dos automóveis movidos a bateria.
Em setembro, o Grupo Volkswagen definiu a América Latina como centro de pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis. O que isso significa, na prática?
Di Si: O centro de pesquisa e desenvolvimento será voltado para o estudo de soluções tecnológicas baseadas em etanol e outros biocombustíveis para mercados emergentes. Vamos liderar, desenvolver e exportar essas soluções com base no uso da energia limpa, que é uma estratégia complementar às motorizações elétrica, híbrida e a combustão. Esse trabalho terá impactos em várias frentes. Poderemos exportar motores flex para países como a Índia, que não tem esse know-how e que nos abre muitas chances de monetização. Fizemos parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para a pesquisa do etanol usado na célula de combustível. Não dominamos essa tecnologia, mas acreditamos no trabalho da academia. Futuramente, poderemos exportá-la para o mundo todo.
Diante do cenário de eletrificação e desenvolvimento de células de combustível, a Volkswagen seguirá com os motores a combustão?
Di Si: Depende da região. Em muitos países europeus, a lei determina o fim da produção de veículos com motores a combustão já em 2030. Mas, nesses lugares, o carro elétrico já é realidade. Em outros países, em que a transição se mostra mais lenta, as fabricantes precisarão avaliar o desejo do consumidor.
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