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Os números não mentem: o Brasil vive uma epidemia de acidentes e mortes de motociclistas. Os dados mais atuais do Ministério da Saúde revelam que, dos 34.881 óbitos no trânsito brasileiro em 2023, 13.477 eram motociclistas. O volume representa 38,6% das mortes em sinistros de trânsito e também crescimento de 11,7% em comparação ao ano anterior.
Essa triste estatística se repete em praticamente todos os Estados e cidades do País. Em São Paulo, onde os dados de 2024 já estão disponíveis, as mortes de motociclistas cresceram 16% no ano passado, somando 2.626 óbitos, o que corresponde a 43% dos óbitos no trânsito paulista.
Isso sem falar no custo social e financeiro dos acidentados que impactam o Sistema Único de Saúde (SUS) e a Previdência Social. Até novembro de 2024, 148.797 motociclistas foram internados no SUS em decorrência de sinistros de trânsito no Brasil. Há dez anos, o número de internações foi de 95.373. Além de deixar jovens com sequelas e improdutivos economicamente, os custos financeiros são enormes. Entre janeiro e novembro do ano passado, as internações de motociclistas no SUS consumiram R$ 233,3 milhões, calcula estudo da Abramet (Associação Brasileira de Medicina do Tráfego).
Mas, afinal, o que pode ser feito para reduzir os sinistros de motociclistas no trânsito brasileiro? “A redução dos sinistros passa necessariamente pela mudança do comportamento do motociclista, possível somente por meio da evolução na formação do condutor, de uma fiscalização mais rigorosa e da evolução do sistema viário nacional”, acredita Sergio Oliveira, diretor executivo da Abraciclo, associação dos fabricantes de motocicletas.
Em resumo, os diversos órgãos de trânsito, médicos e especialistas acreditam ser preciso uma abordagem multidisciplinar e em diversas frentes para mudar essa triste realidade. Com base nisso, elaboramos uma lista com sete iniciativas que podem reduzir os acidentes e mortes com motociclistas no Brasil.
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Um dos principais problemas apontados por especialistas é a fraca formação dos motociclistas. Atualmente, as aulas de condução, a prática e até mesmo o exame para tirar a Carteira de Habilitação para motos acontecem em locais fechados. Dessa forma, o motociclista iniciante tira a CNH sem ter pilotado no trânsito real.
Uma melhor formação é apontada como fator primordial para reverter esse quadro. “A formação de condutores de motocicleta deve ser multifacetada, envolvendo não apenas a habilitação técnica, mas também a educação comportamental”, afirmou o diretor da Abramet, José Montal, em entrevista ao Mobilidade Estadão. Nesse sentido, os fabricantes afirmam que participam ativamente das Câmaras Temáticas de Segurança do Conselho Nacional de Trânsito. Também afirma acompanhar e contribuir diretamente para a evolução no processo de formação do condutor.
Outro ponto importante para reduzir os sinistros com motociclistas é a fiscalização. Para reduzir de mortes e lesões graves por acidentes de trânsito, é essencial que haja o respeito às regras de trânsito instituídas pela legislação. As multas de trânsito têm por objetivo primordial induzir os cidadãos e as cidadãs a comportamentos mais seguros no trânsito, informa a Companhia de Engenharia de Tráfego da capital paulista.
De acordo com a CET-SP, a fiscalização do trânsito na capital paulista é feita diariamente por meio de agentes e equipamentos de fiscalização eletrônica. Afinal, as infrações mais comuns cometidas por motociclistas são o excesso de velocidade, atravessar o sinal vermelho e ultrapassar na contramão. Comportamentos que aumentam o risco de os condutores de moto se envolverem em acidentes.
Além da fiscalização, outro ponto importante é a conscientização dos motociclistas quanto aos comportamentos de risco. Por e-mail, o Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo afirma que “trabalha para aumentar a segurança viária por meio da conscientização, ações de fiscalização e criação de políticas públicas”. Como exemplo, o Detran-SP cita campanhas educativas voltadas aos públicos mais vulneráveis do trânsito que impactaram 125 mil pessoas em mais de 100 municípios paulistas no primeiro trimestre deste ano.
Já as fabricantes, por meio da sua associação, destacam as inúmeras ações destinadas à educação e conscientização de motociclistas. Como os Pit Stops educativos realizados no Maio Amarelo e na Semana Nacional de Trânsito, com milhares de atendimentos em cidades como São Paulo (SP), Manaus (AM) e Brasília (DF).
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Embora dados do Observatório Nacional de Segurança Viária revelam que apenas 5% dos acidentes de trânsito tem causas em falhas ou problemas no veículos, a correta manutenção da moto também pode contribuir para reduzir os sinistros de trânsito.
Segundo dados da Abraciclo, coletados entre 2008 e 2019, cerca de 30% das motocicletas apresentaram problemas nos freios. Em seguida, vinham luzes, relação, amortecedores e pneus.
“Quando o motociclista mantém o veículo em dia, ele minimiza o risco de falhas inesperadas e aumenta significativamente sua segurança no trânsito”, afirma Antonio Grigonis, gerente de uma concessionária Honda no Paraná. Para Grigonis, que também é especialista em direção defensiva, manutenção não é gasto, é investimento em segurança e tranquilidade na hora de rodar.
De acordo com o “Estudo Sobre Hábitos e Comportamentos dos Motociclistas no Brasil”, realizado pela Fundação Mapfre, em parceria com o Instituto de Segurança no Trânsito, 68,8% dos 1,2 mil motociclistas entrevistados acreditam que cursos de pilotagem defensiva podem contribuir para melhorar a segurança viária.
Segundo a Abraciclo, “todas as nossas associadas realizam ações proativas de segurança viária e pilotagem segura com seus públicos, por meio de palestras, cursos, campanhas e ampla distribuição de materiais didáticos”. Honda e Yamaha, as maiores fabricantes de motos no País, mantêm cursos de pilotagem para frotistas e órgãos públicos, além de promover palestras em suas concessionárias. Há até conteúdo online, com dicas de pilotagem segura para motociclistas.
A tecnologia também é apontada como forma de evitar sinistros e mortes de motociclistas. “Atualmente, as motocicletas possuem diferentes sistemas que proporcionam uma maior segurança aos motociclistas. O mais conhecido é o sistema de freios ABS (Sistema antibloqueio de frenagem), cuja função primária é melhorar a dirigibilidade da motocicleta em situações de frenagem de emergência em diferentes tipos de terrenos”, explica o especialista de marketing do mercado de duas rodas da Bosch América Latina, Leandro Souza.
De acordo com estudos feitos na Alemanha, o ABS em motos pode reduzir em cerca de 25% o número de acidentes com ferimentos. No Brasil, desde 2014, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) tornou obrigatório o uso do ABS nas duas rodas para motos de 300 cilindradas ou mais e, em pelo menos uma das rodas, para motos com menos de 300 cilindradas. No caso das motos menores, as fabricantes podem optar ainda pelo sistema de frenagem combinada nas duas rodas (CBS – Combined Braking System). Entretanto, mais de 80% das motocicletas vendidas no Brasil têm até 160 cilindradas. Ou seja, a grande maioria das motos não sai de fábrica com freios ABS.
Contudo, as fabricantes têm investido em tecnologia. Atualmente, até mesmo scooters, como a Honda PCX 160 e a Yamaha NMax 160, modelos mais vendidos no segmento, trazem, além do ABS na roda dianteira, sistema de controle de tração, que evita a derrapagem da roda traseira durante uma aceleração intensa sobre piso escorregadio.
Por último, mas não menos importante, outro fator fundamental é a evolução do sistema viário nacional. O estudo da Mapfre mostrou que cerca de 80% dos motociclistas brasileiros não consideram as vias seguras para a pilotagem de motocicletas. Buracos, valetas, sinalização escorregadia, entre outros problemas, são verdadeiras armadilhas para os motociclistas.
Em São Paulo, por exemplo, a criação da Faixa Azul é um bom exemplo de como tornar as vias mais seguras para os motociclistas. De acordo com a Prefeitura de São Paulo, o projeto já resultou na redução do número de óbitos em 47,2%, passando de 36 em 2023 para 19 em 2024, nos 221,20 quilômetros de vias com a sinalização especial.