Tortas sabor mobilidade sustentável

Foto: Arquivo Pessoal
Daniela Saragiotto
10/07/2020 - Tempo de leitura: 3 minutos, 59 segundos

Dizem que a crise é a mãe da oportunidade e este momento em que vivemos tem mostrado que o ditado faz muito sentido. Na família de Diego Salgado, 38 anos, jornalista de esportes, a pandemia e a forma com que lidaram com as situações adversas que surgiram acabaram mudando a rotina de todos. E para melhor.

Tudo começou quando o pai de Diego, Antônio Sérgio Carvalho, 63 anos, motorista da Uber desde 2016, parou de trabalhar por causa do isolamento social. “Em março, eu e meus irmãos pedimos para que ele ficasse em casa, por ser do grupo de risco da doença.

Não foi fácil, mas conseguimos convencê-lo”, diz Diego. Só que, passados dois meses, as contas começaram a se acumular e ele decidiu que voltaria a trabalhar. A família toda, então, se uniu em torno de um plano: sugeriram que ele começasse a fazer tortas para vender, uma receita de família que ele sempre recebe elogios quando a faz. “A ideia foi da namorada dele e combinamos que iríamos ajudar.

Propus um desafio: vender 50 unidades, pagar suas contas e decidir se continuaria. Ele topou e eu fiz um post no meu Twitter divulgando o trabalho”, conta. A reação que veio a seguir foi surpreendente. “Recebemos 800 mensagens e 10 mil curtidas no primeiro dia, muita gente passou a divulgar também. Recebemos muitos pedidos. Virei a noite respondendo mensagens e foi aí que percebi que nossas vidas iriam mudar”, conta ele.

Diego ao lado do pai, Antônio Sérgio Carvalho: “Quando pedalo com o baú, as pessoas se solidarizam mais.” Foto: Renan Bossi / Strava

Enquanto o pai prepara e assa tortas de frango, frango com requeijão ou palmito (R$ 30 + R$ 4 de taxa de entrega), Diego é responsável por gerenciar os pedidos, pagamentos e prazos, mais uma grande responsabilidade: cuidar da logística das entregas… de bicicleta. Alternando com os momentos em que ele não está trabalhando como jornalista, Diego, que é ciclista há mais de 20 anos, tem pedalado praticamente todos os dias para entregar as tortas e, em seis semanas, percorreu surpreendentes 1,2 mil km.

Hoje, eles trabalham com lista de espera. “Fazer as entregas tem me ajudado muito também, porque posso treinar. Eu tinha uma viagem marcada em abril para pedalar 2 mil km na Nova Zelândia, mas tive de cancelar. Então, as entregas me ajudam também a superar essa frustração.”

Do Butantã à Vila Prudente

Percorrendo, em média, 70 km por dia, Diego carrega no máximo 15 tortas (ou 15 kg) nas costas. Partindo do Butantã, na zona oeste, onde mora, vai até a casa do pai no bairro de Pinheiros, também zona oeste, busca as encomendas na garagem, dentro do porta-malas do carro do pai, para não ter contato com ele, e começa o trabalho.

Quando tem mais de 15 entregas, precisa voltar para reabastecer. “Tento ficar dentro do centro expandido, mas tenho dificuldade para dizer não. Já fui até Interlagos, Vila Prudente, e estou me programando para ir até o Tatuapé. Em um sábado, cheguei a pedalar 92 km”, conta.

No seu itinerário, estão bairros como Lapa, Pompéia, Perdizes, Vila Mariana, Aclimação, Vila Olímpia, Moema, Morumbi, entre muitos outros. Rodando praticamente toda a capital, Diego tem a oportunidade de perceber mudanças no comportamento das pessoas por causa da pandemia e de ver como a retomada tem acontecido, na prática.

Ele conta que, quando começou, em maio, as ruas tinham poucos carros,
cenário bem diferente do atual. “Infelizmente, tenho visto até pessoas circulando sem máscara nas ruas e aglomerações nas ciclofaixas, o que é muito ruim. Por outro lado, ele conta que tem sentido mais respeito com os ciclistas.

“Quando pedalo com o baú, as pessoas entendem que estou trabalhando e se solidarizam mais. Tenho notado mais empatia com quem está se arriscando a sair de casa. Espero que isso se mantenha mesmo depois da pandemia”, conta.

Trânsito

No trânsito, também há mudanças, om alguns carros dando passagem. “Eu pedalo há muito tempo, mas só recentemente entendi que minha bicicleta é um modal como qualquer outro e posso ocupar uma faixa da via. Não ando no meio fio, que é perigoso.

Antes da pandemia, todos os dias, várias pessoas reclamavam disso, buzinando e xingando, isso infelizmente é muito comum. Não dá dizer que acabou, mas noto que isso tem diminuído. E essa mudança cultural é muito importante, porque acredito que muita gente vai adotar a bicicleta como meio de transporte daqui para a frente”, afirma.

Torta do Pai:
Instagram /tortadopai
Twitter /diegosalgado
Diego Salgado em uma das entregas: “Em um sábado, cheguei a pedalar 92 km.” Foto: Renan Bossi / Strava