Carga pega carona no transporte de passageiros

O deslocamento de mercadorias em modais de transporte público pode trazer novas receitas para o sistema e desafogar o trânsito. Foto: Getty Images

20/07/2022 - Tempo de leitura: 4 minutos, 1 segundo

A integração do transporte de carga ao de passageiros abre uma série de oportunidades. O compartilhamento pode ajudar no melhor aproveitamento das linhas de ônibus, trens e metrô, com possibilidade de redução de custo para o usuário. Em alguns casos, pode até viabilizar a criação de linhas ou aumento no número de veículos em circulação.

A conclusão vem de um estudo de Isabela Kopperschmidt de Oliveira, professora da Universidade Federal de Ouro Preto. Ela desenvolve uma tese de doutorado sobre o assunto com base em experiências bem-sucedidas na Europa.

“Em meus estudos, me deparei com essa solução, que ganhou força em consequência da covid-19 como forma de manter a receita e a qualidade do serviço”, diz. Para ela, é possível imaginar até o surgimento de novas linhas de ônibus, que, sem o compartilhamento com carga, seriam inviáveis pelo baixo volume de passageiros.

“A carga ajudaria a baratear o transporte público e também a retirar usuários dos carros”, recorda. Para ela, o maior ganho desse compartilhamento é a possibilidade de reduzir a circulação de veículos leves e pesados. O professor Ciro Biderman, coordenador do Centro de Política e Economia do Setor Público, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), prevê ainda: “Vejo como uma combinação promissora, porque, com ela, é também possível aumentar a frequência de ônibus no período noturno”.

Adalberto Febelian, vice-presidente de operações aéreas da Modern Logistics, lembra que os ônibus urbanos poderiam receber compartimentos de carga com acesso por fora, como ocorre nos modelos rodoviários. “A operação de carga e descarga pode ser feita nos pontos finais”, afirma Febelian.

Sem conflito entre carga e passageiros

Isabela vem estudando o compartilhamento carga-passageiros desde 2020, e garante que não há modelo ou fórmula. “Cada cidade tem suas soluções. Tenho avaliado como traduzi-las para o contexto brasileiro, já que, na Europa, o transporte público é eficiente e tem horários confiáveis – o que não ocorre aqui.”

A professora e outros especialistas ressaltam que a movimentação da carga pode ocorrer de noite e também em horários de menor movimento para não comprometer o transporte dos passageiros: “As pessoas serão sempre prioridade”, diz Isabela.

“As janelas existem, e há possibilidade de ganho financeiro, mas tem de ter um gerenciamento muito bom”, diz. Vale dizer que o Metrô de São Paulo incluiu a logística entre as formas de gerar receita (como comércio e publicidade), e considera explorar os horários de menor volume de passageiros.

Para Paulo Oliveira, sócio-fundador da Scambo, consultoria de logística urbana, se existem demanda pelo comércio e ociosidade no transporte público, o trabalho será promover o “match” dessas duas operações, já que ônibus, trens e metrôs formam um universo para transportar pessoas.

“Mesmo que não se usem os vagões, pode-se utilizar áreas ao redor das estações, armários com controle eletrônico de acesso, quiosques em estações do metrô e trens. Tudo isso facilita e cria engajamento em locais com grande densidade”, diz Oliveira. Ele também acredita na possibilidade de vagões dedicados a cargas, “com várias ressalvas”, lembrando que isso não pode gerar atraso ou lentidão e que uma operação para passageiros não inclui áreas para movimentação de carga.

Por esse motivo, os entrevistados recordam que o compartilhamento vai se concentrar em pequenos volumes. “Deve-se pensar em pacotes abaixo de 3 quilos. É uma grande oportunidade para o transporte de eletrônicos e de produtos frágeis”, afirma Oliveira.

A professora Isabela ressalta que esses objetos serão escoados até o destino por motos, bicicletas, patinetes – e, por isso, precisam ser pequenos. Ela cita ainda que o compartilhamento da estrutura de passageiros para o transporte de volumes costuma surgir de parcerias entre empresas privadas e operadores de transporte.

Na França, houve um acordo entre os supermercados Monoprix e os trens RER (sigla para rede regional expressa), de Paris. Em Dresden, na Alemanha, a Volkswagen utiliza a linha de bonde para o transporte de autopeças da sua fábrica naquela cidade.

Armários como parte da solução

Outro ponto a explorar nessa operação são os lockers, ou armários, com controle eletrônico de abertura. “Eles são uma boa solução. Há espaço para instalação em estações, e eles podem gerar receita adicional ou servir como ponto de retirada por alguém que passa ali a caminho do trabalho e também como local de devolução”, afirma Febelian, da Modern Logistics.

“Montando esses microcentros, já se revoluciona a forma como se distribui a carga”, conclui Ciro Biderman, da FGV.