Por mais tentador que seja listar as tendências que eu acredito (e algumas que eu desejo) para o novo normal da mobilidade, qualquer afirmação neste momento pode ser precipitada. A crise mundial da covid-19 ainda afeta muitos países e setores, e há diversos fatores que podem mudar de forma imprevisível.
No entanto, enquanto o futuro ainda é incerto, podemos analisar o presente. Como as pessoas estão se movendo agora? Quais são as mudanças que já estão acontecendo ao redor do mundo?
Historicamente, crises são aceleradoras de tendências, pois temos corporações se reinventando para continuar existindo e consumidores abandonando o status quo em busca de soluções para novas necessidades. A atual crise segue esse padrão, e já é possível ver mudanças de comportamento e demanda que foram antecipadas pela pandemia.
Já estávamos presenciando debates sobre quais seriam as novidades para a mobilidade há algum tempo. Mas as movimentações que vemos de fato acontecendo são relativamente diferentes das previsões que se desenhavam nos meses que antecederam a pandemia.
Em vez de inovações de matriz energética, desenvolvimentos tecnológicos e novos modelos de veículos – que atenderiam somente a uma pequena parcela da população –, a sociedade está mostrando que sua real necessidade é por modelos já existentes e acessíveis de mobilidade.
Diante das recomendações de isolamento social, cresceram buscas por modelos de transporte com menos aglomeração, causando o primeiro grande impacto da mobilidade como conhecíamos: a queda de movimento nas ruas. Segundo a Consultoria McKinsey, o movimento em grandes cidades do mundo registrou queda entre 70% e 90%.
Dentro desse contexto, cresceu uma modalidade que há muito tempo já vem sido incentivada, porém timidamente até agora: a conexão entre modais. De fato, no final de abril, a própria OMS recomendou bicicleta e caminhada como as melhores maneiras de se locomover durante a pandemia.
Na Austrália, por exemplo, as vendas de bicicleta dispararam desde o começo da quarentena, segundo reportagem do The Guardian. A prefeitura de Bogotá abriu 117 quilômetros de novas ciclovias na cidade, visando diminuir as multidões nos transportes públicos.
Paris vai fechar 50 quilômetros de ruas para carros e reservá-las para bicicletas, e outras 30 localizações ainda serão unicamente para pedestres, como anunciou a prefeita Anne Hidalgo.
O governo do Reino Unido lançou um pacote de 2 bilhões de libras para criar uma nova era para ciclistas e pedestres, com iniciativas que incluem aumentar o número de ciclovias e parcerias com empresas de aluguel de bicicletas e patinetes. O mundo todo registra medidas em favor da micromobilidade.
Analisando o que já acontece em países que estão relaxando as restrições como França e Alemanha, observamos que o uso do Waze já atingiu 80% do período pré-covid.
Uma pesquisa realizada pela Ipsos na China mostra que os chineses tendem a trocar o ônibus e o metrô pelo uso do carro privado. Junto com a volta do uso do carro, vemos também, nos dados do Waze, a volta dos congestionamentos, que já chegaram ao mesmo nível do período anterior da pandemia nesses países, e isso é preocupante.
Bom, no começo deste texto, eu disse que não temos como fazer previsões, e mantenho minha fala. Sendo assim, eu diria que o mundo caminha para uma ressignificação da forma de se locomover. Essa ressignificação não está baseada em um modal único e solucionador, e sim em uma combinação inteligente e eficiente de todos eles.
No Waze, acreditamos fortemente que as cidades devem ser criadas para pessoas, e não para carros. Defendemos também que o primeiro passo para a transformação é a mudança de hábitos, pois é ela que vai pautar as políticas públicas. E essa mudança está, finalmente, acontecendo em massa.
Estamos caminhando para um mundo em que não teremos separações entre ciclista, pedestre, motorista ou passageiro. Todos alternarão entre todas as modalidades de transporte, gerando uma redistribuição bem mais equalizada e evitando a saturação das infraestruturas e, por que não dizer?, da saúde das pessoas.