Passada a eleição, a pauta ambiental mais urgente na mesa do prefeito reeleito de São Paulo, Bruno Covas, é, ao mesmo tempo, o principal item na agenda do transporte público e da saúde na cidade.
Trata-se de destravar a aplicação da Lei 16.802, que fixou prazo de até 20 anos para converter a frota municipal de ônibus a diesel em veículos de baixa emissão de poluentes.
Com base nela, a Prefeitura lançou, há dois anos, uma licitação para renovar os contratos com as empresas concessionárias, estabelecendo um ousado cronograma anual de redução de gás carbônico (CO²), material particulado (MP) e óxidos de nitrogênio (NOx) dos ônibus
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Desde quando foi promulgada pelo então prefeito João Doria, em janeiro de 2018, a lei tem enfrentado resistências políticas e econômicas. A covid-19 complicou o cenário. Neste momento, a licitação está parada.
A pandemia provocou forte queda no movimento do transporte público, que chegou a 77% no final de março, obrigando a Prefeitura da capital paulista a suspender os compromissos contratuais das empresas e reprogramá-los para 2021 e 2022.
Pois bem. É hora de retomar esse processo. Essa é uma tarefa inadiável da futura gestão e da nova Câmara Municipal. A Lei 16.802 e a licitação que a ela se seguiu são um marco na história do transporte público sustentável no Brasil.
Elas estabelecem metas obrigatórias de redução de poluentes dos ônibus, entre as quais o corte de metade das emissões de CO² em dez anos e de quase 100% nos dez anos seguintes.
Na prática, esse objetivo só será alcançado com a troca dos ônibus a diesel (mesmo nas versões menos poluentes, como Euro 5 e Euro 6) por elétricos.
Os próprios empresários já chegaram a essa conclusão – eles que, em geral, são reticentes sobre a viabilidade da eletrificação do transporte público.
Foi o que mostrou um relatório da SPTrans apresentado em outubro ao Comfrota-SP, o comitê criado pela Prefeitura para supervisionar os planos de conversão das frotas.
Praticamente, todas as concessionárias informaram à SPTrans que, para atender às exigências da lei, preferem converter suas frotas a diesel em frotas 100% elétricas.
A maioria avaliou que não valeria a pena optar por tecnologias intermediárias de curta duração, como biodiesel, gás natural ou mesmo ônibus híbridos.
Isso significa que já temos as condições de promover uma revolução no transporte paulistano, com amplas repercussões na indústria, nas políticas de mobilidade urbana e até na pauta de exportações do País.
Veículos silenciosos e não poluentes são a melhor estratégia para oferecer mais qualidade aos usuários e resgatar a confiabilidade no sistema de transporte público.
Essa é também uma estratégia de saúde pública – como atestam os vários estudos publicados nos últimos meses no Brasil, Europa e Estados Unidos, que mostram a correlação direta entre poluição do ar e taxas de contaminação por covid-19.
Os 20 anos de transição previstos na lei parecem muito tempo, mas não são. Com 14.400 veículos nas ruas de São Paulo, estamos falando da maior frota municipal de ônibus do Ocidente, e a terceira do mundo.
O que é preciso, sim, é dar os primeiros passos, tirar os prazos e metas do papel. Evitar que aquela seja mais uma dessas leis que não ‘pegam’.
Oferecer ao Brasil um sistema de transporte público limpo e sustentável é tarefa de estadistas. Uma tarefa que, por si só, pode fazer uma gestão municipal entrar para a história.”