‘Quem mais caminha na cidade é por falta de opção’, diz diretora do Instituto Caminhabilidade

Leticia Sabino foi uma das participantes de painel sobre mobilidade ativa no Summit Mobilidade 2024. Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Marina Oliveira
31/05/2024 - Tempo de leitura: 4 minutos, 45 segundos

Andar e pedalar são opções que economizam tempo e dinheiro, além de promoverem benefícios para a saúde e o meio ambiente. No entanto, o que está sendo feito para incentivar mais pessoas a adotarem a mobilidade ativa? Esse foi o tema discutido em um painel durante o Summit Mobilidade 2024, evento realizado neste ano no formato presencial na Casa das Caldeiras, na zona oeste da capital paulista.

Apesar de 31,8% dos 42 milhões de deslocamentos diários na região metropolitana de São Paulo serem feitos a pé, a cidade não é planejada com foco no pedestre. O desafio de priorizar as pessoas no trânsito está intrinsecamente ligado à segurança viária. Segundo um relatório da Organização Mundial da Saúde divulgado em 2023, com dados de 2021, o Brasil registrou uma média de 16 óbitos em acidentes de trânsito para cada 100 mil habitantes.

 “São 33 mil mortes registradas no trânsito anualmente, sendo 5 mil apenas no Estado de São Paulo e 980 na capital. Portanto, antes de discutirmos sobre deslocamento e mobilidade, precisamos abordar a questão da segurança.”

Gláucia Varandas, arquiteta e urbanista do Observatório de Segurança Viária de Guarulhos (SP).

Gláucia ressalta que a redução da velocidade nas vias públicas é crucial para a segurança viária. “A maioria acha que 60 km por hora é seguro. Mas em um atropelamento nesta velocidade, a pessoa vai a óbito”, afirma. Para ela, o caminho da conscientização de motoristas passa pelo redesenho da cidade, que deve favorecer essa nova conduta. “Não adianta colocar um radar de 30 km se a via é de cinco faixas. Ninguém vai parar e ainda vão dizer que o Poder Público promove a indústria da multa”, fala a arquiteta e urbanista. 

Participantes do Summit Mobilidade debateram sobre a mobilidade ativa nos centros urbanos. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Calçada é só um dos problemas

Segundo dados do Instituto Cordial, 40% das calçadas na cidade de São Paulo têm largura abaixo do padrão estabelecido por lei. Além disso, é frequente encontrar obstáculos como postes e árvores que dificultam a passagem de pedestres, além de buracos e interrupções na continuidade do calçamento. 

Soma-se a isso outros problemas. Por exemplo, a qualidade do ar foi responsável por 8.409 óbitos na cidade de São Paulo, conforme revelado por um estudo de 2022 que procurou estimar o impacto das políticas públicas na saúde da maior cidade do país. “Quer dizer, enquanto ainda estamos fazendo política que estimula o uso de veículos motorizados individuais, estamos matando as pessoas”, diz Leticia Sabino, diretora-presidente do Instituto Caminhabilidade. 

“Hoje, quem caminha na cidade não faz isso porque é prazeroso ou porque quer fazer exercício. Pelo contrário, quem mais caminha nas nossas cidades é por falta de opção, por não ter nenhum outro transporte para fazer os seus deslocamentos. E faz isso de uma forma muito arriscada”.

Leticia Sabino, diretora-presidente do Instituto Caminhabilidade

As mulheres são as que mais fazem deslocamentos a pé na cidade de São Paulo, o que enfatiza a importância de políticas de mobilidade ativa com uma abordagem de gênero. “A sensação de insegurança que as mulheres sentem ao andar na rua passa pela falta de visibilidade em algumas vias. O simples fato de você não saber o que pode ter atrás de um ponto de ônibus ou totem de propaganda inviabiliza a caminhada delas”, fala Sabino. 

Cidade que não é boa para caminhar não é boa para pedalar

Assim como os pedestres, os ciclistas também enfrentam vários desafios. Mesmo em São Paulo, que possui a maior infraestrutura cicloviária do Brasil, a situação não é diferente. A cidade conta com 731,2 km de vias adaptadas para bicicletas. Desses, 699,1 km são ciclovias ou ciclofaixas, e 32,1 km são ciclorotas, segundo dados da Secretaria de Comunicação do Estado de São Paulo.

A expansão da rede de ciclovias é uma estratégia crucial para incentivar o uso desse meio de transporte. No entanto, a meta estabelecida pelo plano de governo de Ricardo Nunes (MDB), prefeito de São Paulo, de construir 300 km de ciclovias até o final de 2024, teve apenas 10% de execução até o momento.

“Há uma dívida enorme com relação ao Plano de Mobilidade Urbana da cidade. Se seguíssemos o plano, já deveríamos estar discutindo uma infraestrutura para acima de 1.000 quilômetros. E ainda estamos patinando nesses 700 que representam um percentual muito pequeno de São Paulo, porque são 40.000 km de vias públicas. É muito aquém do que a gente precisa.”

Daniel Guth, mestre em Urbanismo e diretor executivo da Aliança Bike (Associação Brasileira do Setor de Bicicletas)

Guth também explica que a política cicloviária abrange outras questões além da ciclovia, e retoma a importância do redesenho viário para garantir mais segurança aos ciclistas. “Você pode ter 700 km de ciclovia, mas tem outros 30.000 km de vias que precisam ser compartilhadas entre automóveis e bicicletas”, diz. 

Igualmente importante é expandir os bicicletários integrados ao trem e metrô, na cidade de São Paulo. “A cidade, atualmente, atende 1/3 da demanda de ciclistas. Na estação Jardim Helena-Vila Mara (CPTM), o ciclista chega às 5:30 da manhã e às 6 horas o bicicletário já está lotado. Quer dizer, você não está convidando ninguém a usar a bicicleta com esta infraestrutura”, afirma Guth. 

Daniel Guth no Summit Mobilidade 2024. Foto: Tiago Queiroz/Estadão