Em 2019, o município foi o primeiro da região metropolitana de São Paulo a oferecer transporte gratuito. Desde então, o sistema passou de 36 mil para mais de 130 mil usuários/mês, exigindo a ampliação da frota e o número de linhas. Leia, a seguir, entrevista completa com o prefeito da cidade.
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Antes da pandemia, os especialistas já diziam que o sistema tradicional de concessão estava fadado a colapsar em 10 anos. Acredito que, depois dela, esse prazo se reduziu pela metade. Esses contratos, de dez anos ou mais, são muito longos, não há como prever o que vai acontecer e o quanto vai entrar na catraca.
Como essas empresas estão sempre no vermelho, essa conta não fecha na maioria das cidades: as prefeituras têm que cobrir essa diferença, mais de 70% do custo operacional. A catraca, então, é um mero complemento.
Essa tarifa vem com diversos custos adicionais — o lucro da empresa, o salário do cobrador ou o custo do sistema de cobrança, a administração para fazer essa conferência e por aí vai. Com a Tarifa Zero, já reduzimos, no mínimo, 20% do custo operacional dessa frota.
O valor também pesa — e muito — no bolso de uma parcela expressiva da população. Ainda mais para um sistema de transporte que não é eficiente, com ônibus de má qualidade. E quem pode pagar acaba buscando alternativas de locomoção. Então, as pessoas deixam de utilizar o serviço público, que ainda precisa ser reajustado anualmente por pressão das empresas.
Em 2017, a operadora à época não tinha condições de melhorar a frota e, para subsidiar esse alto custo operacional, seria necessário aumentar a tarifa. Além disso, só queria operar as linhas lucrativas. Rompemos e contratamos um serviço emergencial para transportar as pessoas, evitando aumento no preço.
No ano seguinte, essa meta passou a fazer parte do orçamento para suportar o sistema. Paralelamente, buscamos vários modelos no Brasil e também fora para encontrar o que mais se adaptava à nossa realidade e a Tarifa Zero começou na cidade em 5 de novembro 2019.
Apesar de muita briga e torcida contra, mudamos o modelo de concessão para locação e não apenas deu certo, como renovamos e dobramos a frota e ampliamos linhas e o horário. A nova frota — composta por 14 ônibus, sendo 3 elétricos, 1 articulado e os demais a diesel — roda em 7 linhas até 23h.
Estabelecendo prioridades, destinando em média 4% do orçamento para a tarifa zero. Com recursos próprios, a partir de 2019, a prefeitura passou a arcar com a locação desses veículos, pagos por quilômetro rodado. O valor já inclui o custo com manutenção, motorista, combustível.
Por meio de uma comissão, fazemos o controle e a gestão das linhas, aumentando-as ou remanejando-as conforme o número de passageiros. Algo impensável no sistema tradicional de contrato com as concessionárias.
Em vez de o empregador fornecer o vale-transporte, primeiro pensamos em uma taxa de transporte público baseada no número de pessoas com carteira assinada (12 mil), alteramos o código tributário e criamos o Fundo Municipal de Transporte Público como uma das receitas para esse custeio.
E, adicionalmente, mais 30% das multas de trânsito, além de emendas parlamentares que podiam entrar nesse fundo. Com a chegada da pandemia, a prefeitura, nesse ano, arcou 100%, sem cobrar taxa das empresas.
Nos anos seguintes, foi colocada no orçamento como uma ação de governo e do Fundo Municipal de Transporte, mantido com fontes de receitas de publicidade nos ônibus, locação de lojas, de
terminais e emendas parlamentares que possam entrar com algum investimento.
A Tarifa Zero, para mim, vai além da mobilidade. É também uma questão social, geração de emprego, de renda e dignidade. O valor da passagem no mês impacta muito no orçamento familiar, chegando a representar mais de 20% do salário, especialmente para quem ganha menos e não recebe vale transporte.
No caso das empresas, o vale também chega a ser 8% a 10% da folha de pagamento. Aqui, a empresa contratada alugou um galpão, gerou 300 empregos com mão de obra daqui, economizou R$ 45 mil de vale-transporte.
As pessoas circulam mais, gastam no comércio local, inclusive das cidades próximas, gerando recursos também para o município por meio dos impostos. As pessoas não faltam mais nas consultas agendadas. Se o dinheiro da passagem era um impeditivo para cuidar da saúde, imagine se sobrava para o lazer no centro.
Antes, transportávamos 36 mil pessoas/mês agora 130 mil e devemos atingir 150 mil com a renovação e ampliação da frota (7 para 14), das linhas (4 para 7) e de horário, até 23h.
Colocar como uma ação ou programa de governo, priorizar essa meta sem tirar de outras áreas e entender que esse custo não é uma despesa, mas sim um investimento em geração de emprego e renda, atraindo também outras empresas para atuar no município.
Além disso, é mais sustentável porque as pessoas deixam seus carros podendo contar com transporte público de qualidade. Nas grandes cidades é algo complexo, sim, mas não impossível, a partir de parcerias e recursos dos governos Estadual e Federal, como um SUS do transporte.
E, claro, com de estudos personalizados à realidade de cada município. Muitos gestores não querem tarifa zero porque é algo que vai ser cobrado daqui para frente com vários exemplos que já temos, demanda estudos, cálculos e que entra em conflito com muitos interesses.
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