Criado em 2014 para organizar o crescimento da cidade de São Paulo até 2029, o Plano Diretor Estratégico (PDE) teve sua revisão aprovada, em 26 de junho, pela Câmara Municipal de São Paulo, com 44 votos favoráveis e 11 contrários. O texto substitutivo, que agora aguarda sanção ou veto do prefeito Ricardo Nunes (MDB), tem sido alvo de diversas críticas de entidades da sociedade civil, grupos de urbanistas e especialistas em mobilidade.
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A principal delas é que o texto aprovado pela Câmara Municipal promove o adensamento da cidade de São Paulo – com mais pessoas residindo nas regiões centrais –, mas é desprovido de uma lógica que favoreça o uso do transporte público de massa. Essa, porém, não é a única queixa: ele incentiva uma verticalização ainda maior do município nos miolos dos bairros e favorece, ainda mais, a desigualdade, à medida que incentiva investimentos em áreas já favorecidas, com perfil populacional de alta renda.
Para Carolina Heldt D’Almeida, professora de urbanismo da Escola da Cidade, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (AEC), e do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), o projeto de lei apresentado no início das discussões na Câmara Municipal é muito diferente do texto substitutivo que foi votado e
aprovado no final de junho.
“Ainda que os estudos do texto original fossem fracos, ao menos foram apresentados documentos e relatórios. Mas, na fase final do Legislativo, ele mudou muito, sem o acompanhamento de análises para as mudanças propostas e sem cotejar com as propostas do processo participativo”, explica.
Para ela, a ausência de fundamento técnico, como ‘EIV e EIA/Rima’, siglas, respectivamente, para Estudo de Vizingança e Estudo de Impacto Ambiental e demais análises, são alguns dos pontos mais preocupantes. “Houve um certo negacionismo e uma aleatoriedade nas mudanças propostas”, diz.
Um dos principais pontos de mudança do Plano Diretor Estratégico é o maior adensamento populacional, o que significa concentrar mais pessoas em um menor espaço de terra, medida necessária em uma cidade como São Paulo, especialmente nas regiões centrais.
A ideia do PDE é fazer com que a cidade seja mais densa nas proximidades dos eixos de transporte, favorecendo o uso de sistemas coletivos de média e alta capacidade e evitando que as pessoas tenham de se deslocar por horas, todos os dias, em direção aos locais onde estão os empregos.
Para atingir esse objetivo, foram estabelecidas regras como delimitação no número de vagas de garagem e prédios maiores nos arredores de estações de metrô, da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), do monotrilho, de veículo leve sobre trilhos (VLT), de veículo leve sobre pneus (VLP) e corredores de ônibus. Na primeira versão do texto, a distância para a construção de prédios dos pontos de transporte era de 1.000 metros; mas, no texto aprovado, o raio foi diminuído para 700 metros.
A questão do adensamento aparece, de maneira ainda mais crítica, em outra mudança proposta: a autorização para que construtoras possam fazer prédios com área útil três vezes maior que a área do terreno. Ou seja: um espaço de 1.000 m² , por exemplo, pode receber um edifício de até 3.000 m² nos miolos de bairros.
“Encontrar o equilíbrio certamente foi um grande desafio do PDE, mas é preciso levar em conta que temos de adensar onde há transporte de alta e média capacidade. E, dessa forma, fortalecer o acesso das pessoas à cidade assim como prover habitação nesses locais e fazer com que essas moradias sejam acessíveis para que mais classes da sociedade possam viver nesses eixos estruturantes”, analisa Carolina
Guimarães, urbanista, gestora de projetos e assessora do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório de Cidades, do Insper.
Carolina explica ainda que, quando o Plano Diretor Estratégico foi criado, seu grande preceito era fomentar o maior potencial construtivo ao longo dos eixos estruturantes, com investimento em prédios com número limitado de vagas de garagem, induzindo o uso dos sistemas de transporte coletivos.
“À medida que quebramos esse conceito, incorporando mais vagas aos prédios bem localizados, não se cria o incentivo certo para o uso do transporte público, e não soluciona os grandes problemas da cidade – entre eles, o trânsito. Vejo, inclusive, um grande potencial para uma piora nesse sentido com essa revisão”, explica.
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