O debate sobre a regulamentação de mototaxista em São Paulo levanta questões importantes sobre liberdade, segurança e inclusão social. O prefeito Ricardo Nunes (MDB) manifestou preocupação em relação à segurança, afirmando que a legalização do serviço poderia resultar em uma “carnificina” na cidade. Essa posição destaca um dilema: como equilibrar a liberdade individual e a responsabilidade do poder público em garantir a segurança do cidadão?
Dois pontos estão na raiz desta discussão e ambos são de responsabilidade do ente público: a oferta de transporte público adequado e o processo de formação de condutores de veículos. Ambos muito deficientes em nosso País, diga-se de passagem.
Por um lado, os sistemas de transporte público não conseguem oferecer à população um serviço atrativo e eficiente, com atributos de disponibilidade, cobertura, frequência, conforto e preço acessível. Até nas poucas cidades onde o transporte público pode ser considerado um serviço eficiente e de qualidade, o sistema é incapaz de atender a população de forma ampla deixando de lado, por exemplo, a última milha do trajeto dos moradores de periferia ou aqueles que vivem em comunidades com ruas estreitas e sem infraestrutura.
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Por outro, o processo de formação de condutores no Brasil se limita, quando muito, a adestrar os candidatos a passarem em uma prova rasa e antiquada. Aqueles que se submetem ao processo atual, se dependerem só do que o processo entrega, na maior parte das vezes são colocados nas ruas com conhecimentos e habilidades precários diante da complexidade técnica e operacional que é conduzir um veículo em um ambiente público.
Isso quando passam pelo processo. No caso das motos, segundo dados da Secretaria Nacional de Trânsito, metade dos condutores não possui habilitação para conduzir veículos de duas rodas e não vemos nenhum grande movimento governamental para solucionar esse grave problema.
Adicione a esses dois ingredientes uma pitada de desemprego, crise econômica e avanço tecnológico. Pronto. Temos aí a receita para a polêmica.
Diante dessas lacunas, os serviços de transporte por motocicletas oferecem uma alternativa prática e acessível em cidades onde o transporte público é deficiente e pouco inclusivo. Muitos cidadãos optam por essa modalidade porque não tem condições de pagar por outros tipos de transporte. Muitas vezes essa é a sua única alternativa.
Outro ponto é a capacidade das motos de contornar congestionamentos urbanos, tornando o tempo de viagem mais curto. Isso é um atributo importante em cidades com trânsito caótico como a capital paulista, mas traz a reboque a preocupação com a segurança nesses deslocamentos mais ágeis.
Quando falamos de mobilidade por duas rodas, a segurança no trânsito deve ser uma preocupação central em função das altas taxas de sinistros envolvendo motociclistas. Isso aponta para a necessidade de melhorias em diversas áreas, como o processo de formação e treinamento de condutores motociclistas, a fiscalização rigorosa para assegurar que todos possuam Carteira Nacional de Habilitação (CNH) válida e que suas motocicletas estejam em condições seguras para circular, e a educação contínua sobre práticas seguras de condução e convivência harmônica entre os modais.
As questões levantadas acima se aplicam ao contexto do transporte por motocicletas e independem do fato de ser uma atividade profissional ou não. Ou seja, sob o ponto de vista da segurança viária, o que muda se um passageiro está pagando ou não para ser transportado na garupa de uma moto? Existe diferença entre ser transportado por mototaxista ou por um amigo ou parente?
Logicamente que o fator exposição, ou seja, o tempo em que esses motociclistas fica expostos ao trânsito, pode ser uma grande diferença entre o motociclista comum e o profissional. No entanto, o que está subjacente a essa discussão é a razão pela qual motociclistas estão frequentemente envolvidos em sinistros graves. Um fator é a falta de infraestrutura viária, incapaz de levar em consideração a fragilidade dos ocupantes de motocicletas, e opções deficientes de transporte público, que leva muitos a escolherem motocicletas como meio de transporte ou ferramenta de trabalho.
Conclusão: o debate sobre os mototaxistas passa por dois pontos destacados acima, transporte público e formação de condutores eficiente e eficaz. A responsabilidade estatal é crucial para garantir que o serviço seja seguro e acessível por meio de regulamentações claras e suporte à infraestrutura. Políticas públicas bem estruturadas são necessárias para abordar as causas e os sintomas do problema, promovendo um ambiente seguro e inclusivo para todos os usuários.
Acreditamos, sempre, que o debate deva ser o caminho para solução dos problemas, e os envolvidos, poder público, mototaxistas, passageiros e empresas precisam sentar-se à mesa e estabelecer etapas a serem vencidas, pois o tema é complexo e requer um olhar e uma solução técnica sem viés politico ou prevalência de interesses de grupos específicos.
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