Faixa Azul não tem relação com a redução dos sinistros com motos em SP, revela estudo

Resultados de pesquisa do Insper não apontam evidências de que a Faixa Azul tenha produzido melhora estatisticamente significativa nos indicadores de segurança viária.. Foto: Edson Lopes Jr./Secom

Há 3h - Tempo de leitura: 5 minutos, 35 segundos

A principal política da Prefeitura de São Paulo para tentar reduzir o número de mortes de motociclistas, que representaram quase metade das vítimas fatais do trânsito da cidade em 2024, é a Faixa Azul. A administração municipal afirma que a iniciativa reduziu o número de óbitos entre motociclistas em 47,2% na capital paulista, passando de 36 em 2023 para 19 em 2024 nos trechos de vias em que existe a sinalização. Um estudo, divulgado nesta terça-feira (2) e conduzido por quatro pesquisadores do Insper, contudo, questiona a eficácia da faixa preferencial exclusiva para motos na redução das mortes e sinistros com motociclistas.

O estudo “Avaliação do impacto da Faixa Azul nos sinistros de trânsito em São Paulo”, realizado no âmbito do Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável, mostra por meio de modelos econométricos que não é possível estabelecer uma relação de causalidade entre a sinalização experimental e a redução de mortes de motociclistas nas vias onde existe a Faixa Azul. 

Comparação simplista

“A narrativa da Prefeitura de SP é de que houve uma redução de 43,7% nos sinistros fatais. Houve de fato uma queda, mas a comparação é simplista. Será que essa queda teve relação direta com a Faixa Azul?” questiona Adriano Costa, um dos autores do estudo juntamente com Adriano Dutra, Gustavo Theil e Júlio Mugnol. 

Entre os fatores que dificultam estabelecer uma relação direta de causa e efeito entre a Faixa Azul e a queda nos óbitos dos motociclistas está o fato de que algumas das vias já tinham sinalização em 2023, de acordo com Costa. Dessa forma, 2023 não pode ser considerado como um ano totalmente sem intervenção. Por outro lado, diversas ruas e avenidas só receberam a faixa após o segundo quadrimestre de 2024. Ou seja, não tinham a faixa dedicada às motos em grande parte do ano. 

“Ciência se faz com dados, política pública tem de ser feita com evidências”, explica o pesquisador do Centro de Estudos das Cidades do Insper. Com objetivo de verificar cientificamente se a Faixa Azul ajuda na redução de mortes de motociclistas na capital paulista, Costa e seus colegas aplicaram modelos econométricos de análise causal consolidados na literatura acadêmica e fundamentais para a produção de evidências confiáveis sobre o efeito de uma política pública de grande relevância, como é a Faixa Azul.

Impossível aferir

De acordo com o estudo, sinistros de trânsito são eventos raros, os fatais ainda mais. “A média mensal de sinistros por trecho agregado é de apenas 0,24, e a de sinistros fatais é de 0,007. Essa baixa frequência limita o poder estatístico da análise, pois mesmo uma redução de 50% representaria uma mudança absoluta muito pequena: 0,12 para sinistros gerais e 0,0035 para os fatais.”, segundo os pesquisadores.

Ao argumento da prefeitura de SP de que as faixas dedicadas para motocicletas reduziram o número de mortes de trânsito de motociclistas nas vias, os pesquisadores afirmam que a combinação da raridade do evento com a amostra disponível torna inviável a análise de inferência causal para sinistros fatais. Ou seja, é impossível, estatisticamente, afirmar que a queda nas mortes tem relação direta com a Faixa Azul, diz o estudo.

A partir daí concentraram-se nos sinistros com vítimas como um todo. De acordo com os cálculos, não há evidências de efeito estatisticamente significativo da Faixa Azul sobre sinistros de motociclistas ao longo da janela de 12 meses antes e 12 meses depois da data de implementação. 

“Em resumo, a diminuição de sinistros com motociclistas foi próxima de zero e, quando não, muito menor do que a prefeitura divulga”, garante Adriano Costa. “Em geral, a Faixa Azul não tem o efeito esperado”, conclui.

‘Faixa Azul deve vir acompanhada de outras medidas’

A conclusão do estudo contrasta com a narrativa oficial de que apenas a demarcação da Faixa Azul melhora a segurança dos motociclistas. Pelo contrário, o estudo sugere que apenas a demarcação da faixa preferencial por sinalização horizontal não é suficiente para causar um impacto real. 

O pesquisador afirma que a Faixa Azul não é uma política ruim. “Afinal, organiza e reduz os conflitos entre os veículos”, acredita Costa. “Contudo, precisa ser aprimorada e vir acompanhada de outras medidas, como acalmamento da via e redução de velocidade”, completa.

Em um momento em que o governo federal, por meio do Ministério dos Transportes, estuda a implementação em outras cidades do país, os pesquisadores recomendam que “a sinalização não seja incorporada no Código de Trânsito Brasileiro até que benefícios mensuráveis para a segurança viária sejam demonstrados em avaliações robustas”. Pois, de acordo com o estudo, “a Faixa Azul ainda não pode ser considerada uma medida eficaz para o problema de sinistralidade e mortalidade de motociclistas no trânsito da cidade de São Paulo.”

Veja também: Faixas exclusivas para motos x Faixa azul: entenda a diferença

Motociclistas excedem limite de velocidade na faixa azul

Outro estudo, conduzido há um ano pela USP (Universidade de São Paulo), UFC (Universidade Federal do Ceará), Instituto Cordial e Vital Strategies também trouxe dados que questionam o impacto da Faixa Azul. Os pesquisadores iniciaram o estudo ao identificar que algumas análises importantes não estavam sendo consideradas nos relatórios de avaliação compartilhados com a Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito). 

Os resultados preliminares, divulgados no final de julho, trazem dados preocupantes. Ao segmentar a análise entre os cruzamentos e meios de quadra, o levantamento identificou um aumento de 33% nos sinistros com motociclistas nos cruzamentos, locais tradicionalmente mais críticos em termos de risco viário e, ao mesmo tempo, uma redução de 33% nos sinistros nos “meios de quadra” (trechos entre cruzamentos). 

Além disso, o monitoramento das velocidades revelou que 7 em cada 10 motociclistas ultrapassam o limite de velocidade nas vias com Faixa Azul. Enquanto nas vias sem a sinalização o índice é 1 em cada 10, o que chama atenção para o aumento de um comportamento de risco. 

“Mais velocidade significa menos tempo para reagir e maior gravidade nas lesões das vítimas envolvidas. Essa combinação é crítica, especialmente em áreas com travessia de pedestres e conversões de veículos. Definir e fortalecer uma estratégia de fiscalização de velocidades nas Faixas Azuis é imprescindível”, defende Ezequiel Dantas, diretor de Vigilância de Lesões no Trânsito na Vital Strategies.