CNH sem autoescola: especialistas criticam a declaração do ministro dos Transportes

Mudança pretende acabar com a obrigatoriedade do candidato passar por autoescola para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Foto: Adobe Stock

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Na última terça-feira (29), Renan Filho, ministro dos Transportes, afirmou, em entrevista a umm podcast da Folha de S. Paulo, que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretende acabar com a obrigatoriedade do candidato passar por uma autoescola para obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A medida, que deve ser encaminhada para avaliação do presidente da República, teria como objetivo baratear o processo para quem busca a habilitação.

De acordo com o ministro, atualmente o custo para emissão da carteira de motorista está entre R$ 3 mil e R$ 4 mil. O novo processo, segundo ele, reduziria esse valor em cerca de 80% com a retirada da obrigatoriedade do condutor fazer aulas de direção e de conduta no trânsito em autoescolas e Centros de Formação de Condutores (CFC).

O estudo feito pelo Ministério dos Transportes sugerindo mudanças no processo de habilitação recomenda que a prova teórica e prática sejam mantidas, mas que o candidato poderia estudar de outra forma – como online, entre outras -, e as aulas de direção não precisariam ser ministradas por um instrutor credenciado a um centro de formação de condutores (autoescola).

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Já existe um plano que prevê mudanças na CNH

Para Paulo Guimarães, CEO do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), responsável pela campanha de segurança viária Maio Amarelo, embora o detalhamento da medida ainda não tenha sido apresentado, a forma como foi colocada pelo ministro Renan Filho é preocupante.

“Sobretudo no que se refere ao alinhamento com o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (PNATRANS) e com os princípios que orientaram a construção da proposta de uma nova formação de condutores”, diz.

De acordo com Guimarães, essa proposta foi amplamente discutida entre a sociedade e a comunidade técnica entre 2013 e 2018. Mas não prosperou em “função de lobbies mercadológicos e pressões políticas”.

De acordo com ele, está entre as diretrizes da proposta a requalificação da formação de condutores, valorizando competências socioemocionais, percepção de risco e a compreensão do trânsito como espaço de convivência social.

“Assim, a retirada da exigência de formação estruturada, conforme sugerido na declaração, contraria diretamente essa diretriz, pois ignora a função educativa essencial do processo de habilitação”, explica Paulo Guimarães.

Para o especialista, qualquer proposta que aponte para mudanças nesse processo precisa ser amplamente debatida com a sociedade, os especialistas e as instituições que atuam em defesa da vida no trânsito.

“Não se trata de resistir à mudança, mas de garantir que ela não venha acompanhada de retrocessos. O trânsito brasileiro ainda mata mais de 35 mil pessoas por ano. A prioridade deve ser sempre salvar vidas. E a formação de condutores é uma das ferramentas mais eficazes nesse propósito”, declara Paulo Guimarães.

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‘Aprender a passar; não aprender a dirigir’

De acordo com Cecília Bellina, psicóloga especializada em ajudar pessoas a enfrentar o medo de dirigir, o processo atual de formação de condutores no Brasil já é ruim. “Ele é feito para que as pessoas aprendam a passar e obter a CNH, mas não para que aprendam a dirigir”, argumenta. E isso, de acordo com ela, não é culpa das autoescolas, mas sim da legislação.

Segundo a psicóloga, eliminar as aulas na autoescola e substituir por familiares ou outros não resolve o problema, podendo até mesmo piorar a situação. “Existem diversas marcações que o instrutor precisa ensinar para os candidatos, somado ao conteúdo teórico, que é fundamental”, diz

E completa: “Na minha visão, a disciplina de educação no trânsito deveria estar na grade curricular a partir do ensino infantil até os 18 anos, o que já está previsto na legislação, mas nunca foi implementado pelo Ministério da Educação”, afirma.

A psicóloga pontua que as mudanças abrem muitas exceções e acentuam o problema da falta de fiscalização, que é tradicional no País. “Esta poderia ser uma oportunidade para mudar todo o processo de habilitação, mas não é apenas retirando um ingrediente de uma receita ruim que o resultado vai dar certo”, finaliza.

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Valorização da edução para o trânsito

Em nota, a Associação Nacional dos Detrans (AND) afirma que está acompanhando de perto as discussões relacionadas às possíveis mudanças no processo de formação de condutores, já anunciadas publicamente.

E que, em conjunto com os presidentes de todos os Departamentos Estaduais de Trânsito, articulam uma agenda com a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) e com o Ministro dos Transportes, Renan Filho, para tratar do tema com a seriedade e profundidade que ele exige.

“Nosso principal foco nas tratativas é a valorização da educação para o trânsito. Em um País que ainda registra altos índices de condutores não habilitados, é fundamental que qualquer mudança preserve e reforce a qualidade da formação dos motoristas. Além disso, é essencial que se busquem alternativas que tornem a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) mais acessível, considerando essa iniciativa como uma política social relevante, desde que não se comprometa a excelência no processo de aprendizagem”, diz Givaldo Vieira, presidente da Associação Nacional dos Detrans.

E continua: “Defendemos que a formação de condutores deve priorizar a segurança viária e contribuir efetivamente para a redução dos índices de sinistros e mortes no trânsito. A educação no trânsito salva vidas e deve ser tratada como prioridade absoluta em qualquer política pública relacionada à mobilidade”, reforça Vieira.