Ornaldo, Fábio, Ednaldo e Kaique morreram assassinados no trânsito. Em abril, em São Paulo, Ornaldo da Silva Viana (52 anos), motorista de aplicativo, foi atingido por um carro esportivo a 156 km/h, enquanto trabalhava.
O fisioterapeuta Fábio Toshiro Kikut (42) tinha casado à tarde e morreu assassinado, em julho, no Rio de Janeiro, por outro carro esportivo, em alta velocidade, quando ia ao mar com sua esposa.
Ainda em julho duas novas mortes. Em Guarulhos, Ednaldo de Souza Mendes (41), outro trabalhador de aplicativo, foi atingido por um carro na contramão, em alta velocidade. Em São Paulo, o motociclista Pedro Kaique Figueiredo, de apenas 21 anos, que trabalhava como auxiliar de transporte escolar, foi assassinado por outro carro esportivo em alta velocidade. Mais de 50 pessoas foram assassinadas por veículos esportivos em 2024.
Sei que uso palavras fortes como assassinato e estou apontando o dedo para os veículos, e não para seus motoristas. Também estou preparado para ouvir respostas que costumo receber nestas ocasiões: carro não mata ninguém, quem mata é gente irresponsável; todos têm o direito de ter o carro que anda em qualquer velocidade, etc.
Mas quero convidar você a pensar comigo: por que autorizamos (licenciamos) veículos que podem atingir velocidades de mais de 200 km/h a trafegar nas vias públicas, quando a velocidade máxima permitida por lei é de 120 km/h?
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Recentemente, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) editou a Resolução 996, sobre a comercialização de bicicletas elétricas. Você conhece alguém que já morreu assassinado por uma bike elétrica? Eu nunca ouvi falar. Pois bem.
Corretamente preocupado com a segurança viária, o Conselho limitou a velocidade das bicicletas elétricas a 32 km/h. Acertou, já que a velocidade é mesmo o maior fator de risco para ferimentos graves e mortes no trânsito.
O que eu não consigo compreender é por que o órgão gestor de trânsito não tem a mesma preocupação com os automóveis, que são os que mais matam no trânsito. Caso uma montadora desenvolva um carro que atinja 500, 600 km/h, não encontrará qualquer impedimento para obter o licenciamento desse carro para conviver nas ruas com pedestres, ciclistas, crianças e idosos.
Alguém poderá dizer que o Brasil não pode restringir as velocidades porque os carros são fabricados no exterior ou projetados em escala global. Isso não é verdade.
Quando fui secretário de Mobilidade na cidade de São Paulo, determinei como velocidade máxima dos ônibus a 50 km/h. Com uso de software, todos os 14.000 ônibus da cidade foram parametrizados para obedecer ao limite imposto. Seria muito simples os fabricantes obedecerem a velocidades determinadas pelo governo brasileiro.
Pode parecer que estou delirando. Afinal, fomos acostumados a achar a velocidade normal e até charmosa. Mas outras vozes no mundo já se levantam para estabelecer regulações. O Conselho Nacional de Segurança nos Transportes (National Transportation Safety Board) dos EUA propôs exigir tecnologia de controle de velocidade em todos os carros novos depois que um acidente envolvendo vários automóveis resultou em nove mortes.
Os culpados pelos óbitos no trânsito decorrentes de carros que podem atingir velocidades impublicáveis não são apenas os motoristas. Quem fabrica e quem autoriza tais veículos a circular em vias públicas também deixa suas impressões digitais nas tragédias a que assistimos quase diariamente. Quem lucra exaltando velocidade, potência, força do motor não pode se dizer inocente diante das desgraças que ajuda a provocar.
Claro que as pessoas podem ter o carro que quiserem. Mas não para circular em via pública, onde estão crianças, idosos, pessoas com dificuldade de locomoção, ciclistas, todos vulneráveis. Quer acelerar? Para isso há os autódromos.
Quantas mortes mais terão que ocorrer para que o Contran adote medidas para limitar a velocidade dos carros autorizados a circular nas vias brasileiras?
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