Situação das calçadas na cidade de São Paulo é desafiadora para a população

Ruas e calçamentos devem contemplar diferentes perfis e precisam oferecer boas condições em todas as regiões da cidade. Foto: Getty Images

30/03/2022 - Tempo de leitura: 4 minutos, 32 segundos

A vida do pedestre na cidade de São Paulo não é fácil e requer, em muitos locais, habilidades de atleta. O que deveria ser a forma de deslocamento mais simples e democrática da mobilidade se traduz em calçadas estreitas, sem continuidade, buracos e irregularidades, situações comuns para quem pode caminhar ou – tenta – trafegar em uma cadeira de rodas, por exemplo. Confira detalhes no depoimento abaixo e nos outros dois na reportagem Retrato da Desigualdade, uma continuidade deste conteúdo.

Os pedestres, um contingente enorme de pessoas, enfrentam essas dificuldades diariamente: de acordo com a última pesquisa Origens e Destinos (OD), feita em 2017 pelo Metrô de São Paulo, foram contabilizadas 42 milhões de viagens diárias na região metropolitana de São Paulo, sendo que, destas, em torno de 33% foram feitas por modos não motorizados, principalmente a pé.

“É importante reforçar, também, que praticamente todos os deslocamentos com outros modais possuem pelo menos um componente ou trecho feito a pé, seja para chegar até o transporte público, seja no meio do trajeto ou mesmo no final dele”, diz Oliver Cauã Cauê, geógrafo, mestre em planejamento e gestão do território e diretor da Cidadeapé, associação que trabalha pelo fortalecimento desse tipo de mobilidade na cidade de São Paulo.

A solução para o problema, evidentemente, não é trivial: são em torno de 65 milhões de metros quadrados de calçadas no município, de acordo com a prefeitura de São Paulo. Entre os transtornos mais comuns estão calçamento muito estreito, postes e árvores que impossibilitam o trânsito e falta de continuidade, resultado de obras aleatórias feitas pelos moradores.

A responsabilidade pela manutenção do calçamento particular é do proprietário do imóvel, de acordo com a Lei n° 15.442/2011, que prevê, inclusive, multa de R$ 497,32, por metro linear, em caso de não regularização em 60 dias após a autuação, ainda segundo a prefeitura.

“Mas, na prática, não dá para multar milhares de cidadãos. E, se considerarmos as periferias ou a ‘Grande São Paulo informal’, que representa mais de terço da cidade, não há nem mesmo espaço suficiente para calçadas adequadas”, explica Cauê, diretor da Cidadeapé.

Padronização no papel

Para orientar como as calçadas devem ser, a gestão pública lançou o Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias, no final de 2020, e que “reúne diversas normas para projetos nas cidades de forma alinhada aos princípios de acessibilidade, equidade social, segurança no trânsito e sustentabilidade ambiental”, informa, em nota, a prefeitura de São Paulo.

Na prática, idealmente, os passeios devem ser organizados em três faixas, de acordo com sua largura total: faixa livre de, no mínimo 1,20 metro de largura (exclusivamente para circulação de pedestres); faixa de serviço de 0,70 metro (para o mobiliário urbano, vegetação, postes de iluminação ou sinalização); e, por fim, faixa de acesso para acomodação das interferências da implantação, do uso e da ocupação das edificações, exclusivamente nas calçadas com mais de 2 metros.

Mas, na vida real, o calçamento da capital paulista, a exemplo do que acontece em todo o País, está bem distante disso. Uma das ações da gestão pública para enfrentar o problema é o Plano Emergencial de Calçadas (PEC), instituído em 2008, e que prevê requalificação de parte dos passeios em áreas consideradas prioritárias nas 32 subprefeituras da cidade, regiões de terminais de ônibus, ruas de comércio e pontos turísticos com grande volume de circulação de pessoas.

De acordo com a prefeitura de São Paulo, entre 2018 e 2020, pouco mais de 1,5 milhão de metros quadrados foram concluídos, além da construção de, aproximadamente, 4 mil rampas de acesso, de acordo com o Poder Público. Já o Plano de Metas da Gestão 2021/2024 prevê a execução de mais 1,5 milhão de metros quadrados de calçadas, com base no Plano Emergencial de Calçadas (PEC), mas as obras ainda não começaram.

1,20 metro deve ser a largura mínima da faixa livre da calçada, que é o trecho para circulação de pessoas, de acordo com a norma ABNT NBR 9050:2020 e o Decreto Municipal nº 59.671/2020

Acessibilidade a todos

Ciça Cordeiro, jornalista, consultora na Talento Incluir, é pessoa com deficiência física há dez anos. Foto: Rogério Gomes

“Falar em mobilidade é falar no direito de ir e vir; e, sem acessibilidade, esse direito não pode ser exercido. Acessibilidade não é somente para pessoas com deficiência, mas é para todos. Para mães com carrinho de bebê, gestantes, pessoas com mobilidade reduzida, idosos, jovens, todos. Quem nunca viu as pessoas andando nas ruas porque, em muitos locais, elas são melhores opções que as calçadas? Todos, sem exceção, precisam de acessibilidade. E, nesse sentido, ter calçadas adequadas e seguras são fundamentais. Muito se fala em estabelecimentos acessíveis, mas tão importante quanto chegar a um local desses é o meio do caminho: como faremos para ir de um ponto a outro com segurança? Isso tudo é muito importante, ainda mais quando observamos o envelhecimento populacional e a necessidade de preparar as cidades para esse fenômeno, que já está acontecendo.”