Na região metropolitana de São Paulo, cerca de 31,8% dos 42 milhões de deslocamentos diários totais da população são feitos exclusivamente a pé. Se considerarmos que quem usa transporte público também começa ou termina as viagens caminhando, além de grupos específicos como mulheres, jovens entre 10 e 14 anos e outros, esse percentual é ainda maior. Os dados são da pesquisa Origem e Destino, publicada em 2019 e que revela a importância do modal para a dinâmica dos centros urbanos.
Embora seja o principal transporte de massa da população brasileira, a prática é repleta de desafios. De acordo com Paula Santos, gerente de Mobilidade Ativa do WRI Brasil, existe um problema estrutural nas cidades brasileiras.
“Elas foram planejadas e construídas para os carros. Todas as grandes obras de infraestrutura viária, bem como o ordenamento territorial das cidades, se basearam no automóvel e no princípio de maximizar o fluxo de veículos motorizados. Isso tem várias consequências, entre elas o espaço precário para o pedestre”, explica.
Segundo dados do Instituto Cordial, 40% das calçadas da cidade de São Paulo possuem largura abaixo da estabelecida por lei. Idealmente, os passeios devem ser organizados em três ‘pedaços’: assim, a primeira faixa deve ser livre de, no mínimo 1,20 metro de largura (exclusivamente para circulação de pedestres); seguida da faixa de serviço de 0,70 metro (para o mobiliário urbano, vegetação, postes de iluminação ou sinalização); e, por fim, a faixa de acesso para acomodação das interferências da implantação, do uso e da ocupação das edificações, exclusivamente nas calçadas com mais de 2 metros.
Mas não é o que acontece na prática: além de estreito na maior parte da cidade, é comum encontrarmos no calçamento postes e árvores impossibilitando o trânsito de pessoas, além de buracos e a falta de continuidade, resultado de obras aleatórias feitas pelos moradores. Todos esses fatores colocam em risco a saúde e a segurança das pessoas.
“As calçadas não têm acessibilidade e, muitas vezes, não há nem espaço suficiente para pedestres. De maneira geral, não é confortável caminhar pelas cidades, mas entendo que as soluções para reverter esse quadro são relativamente simples”, diz Letícia Sabino, diretora presidente do Instituto Caminhabilidade. De acordo com ela, a medida mais importante – e que traria efeito mais rapidamente – seria a diminuição da velocidade das vias.
No sistema de trânsito, os pedestres representam o elo mais frágil e por isso demandam, segundo o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), do cuidado de todos os demais: veículos motorizados de todos os tipos e dos ciclistas. Das 33.813 mortes no trânsito do Brasil registradas pelo Ministério da Saúde em 2021, os pedestres respondem por uma parcela enorme: 19,5% do total.
“Há muito a se fazer para melhorar a segurança dos deslocamentos a pé pela cidade, mas vejo como a medida mais importante a diminuição das velocidades no perímetro urbano e nos locais em que há muita há muita concentração de pedestres, como em áreas escolares e pontos de transporte público”, explica Letícia.
Paula Santos, gerente de Mobilidade Ativa do WRI Brasil, concorda. “Cidades brasileiras ainda adotam limites de velocidade muito elevados, considerando a convivência entre os diferentes usuários da via. A 30 km/h, a chance de um pedestre sobreviver a um atropelamento é mais de 8 vezes maior do que a 50 km/h. Não por acaso, a OMS recomenda o limite de 30 km/h para a maioria das vias urbanas, onde há essa interação entre carros e pedestres”, explica.
Algumas conquistas, embora tímidas e localizadas, podem ser mencionadas na construção de uma cidade com mais segurança e mais atrativa para quem caminha. A Paulista Aberta, que há oito anos tornou a Avenida Paulista exclusiva para pedestres, é uma muito representativa. “Destaco também a legislação do Estatuto de Pedestres, cuja maior conquista, a meu ver, é estabelecer mais tempo semafórico considerando a velocidade média de idosos, crianças e pessoas com deficiência”, explica Letícia.
Outra iniciativa é o conceito de Ruas Completas, implementado pelo WRI Brasil desde 2017 e que defende que toda via pode ser complementada para atender às necessidades de todas as pessoas.
Paula cita como um dos exemplos uma iniciativa de Campinas (SP), que apostou em uma remodelação em etapas da Rua Delfino Cintra, na área central da cidade, iniciando com pintura do pavimento e mobiliários de baixo custo para testar o novo desenho da via.
“Após a coleta de dados, que revelou a redução da velocidade praticada de carros em 38% e de motos em 45%, mantendo a média abaixo de 30km/h, a cidade iniciará as obras definitivas ainda neste ano”, diz.
*Fontes: Instituto Caminhabilidade, com dados da ANTP/2018, SAMPAPÉ!/2021 e DATASUS/Ministério da Saúde/2021.