Quando circulam pelas grandes cidades brasileiras, os ciclistas precisam manter o máximo de atenção, por diversos fatores. Ter de disputar espaço com carros e ônibus costuma ser a maior preocupação, seguida de perto pelas imperfeições na pista que podem causar acidentes, como buracos, bueiros e areia espalhada.
Em meio a esse cenário tão desafiador, as ciclovias seriam um espaço supostamente protegido, para ser desfrutado calmamente. Essa tranquilidade tem sido abalada, no entanto, pelo convívio entre diversos tipos de ciclistas: os “convencionais”, aqueles que usam as bikes tradicionais e circulam em velocidade moderada, precisam estar atentos aos movimentos dos “esportistas”, que pedalam em alta velocidade, e dos “motorizados”, que também podem alcançar velocidades mais altas ao utilizar bikes elétricas.
“Como o caminho que eu faço é bem tranquilo, totalmente por ciclovias, o maior perigo que enfrento é a atitude dos outros ciclistas”, conta Augusto Cardoso da Cunha, 19 anos, estudante de Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP). Quando o tempo está bom, ele costuma alugar uma bike convencional do Itaú para cumprir os 14 km entre o Museu de Arte Contemporânea (MAC), no Parque do Ibirapuera – onde faz estágio –, e a universidade.
Augusto completa o trajeto em 45 minutos, ante pelo menos uma hora quando usa ônibus – não há uma linha direta entre os dois locais, o que exige pegar duas ou três linhas. “Enquanto o tempo da viagem de bike é bem confiável, com os ônibus varia muito. Outro dia chegou a duas horas”, ele compara. Como há apenas duas elevações no caminho, não muito severas, a única ressalva para que a experiência não seja 100% prazerosa é mesmo a preocupação com as bikes muito velozes. “Dá uma certa tensão, porque, pelo porte e pela velocidade, algumas elétricas se parecem muito mais com motos do que com bikes.”
A questão tem suscitado discussões no âmbito legislativo. No final de agosto, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, vetou um projeto que pretendia proibir a circulação de elétricas nas ciclovias da cidade. O prefeito justificou a decisão pelo entendimento de que o importante é conscientizar e fiscalizar o comportamento dos ciclistas, ao mesmo tempo que lembrou que parâmetros a respeito foram estabelecidos, em junho, por uma resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran).
A resolução estabeleceu que veículos com velocidade máxima de fabricação de 32 km/h podem circular por ciclovias e calçadas, sem necessidade de licença e habilitação, desde que obedeçam aos limites de velocidade definidos pela prefeitura. No caso do Rio, o limite é de 20 km/h nas ciclovias e de 6 km/h nas calçadas, onde o espaço é compartilhado com pedestres.
Essas regras valem para bicicletas, patinetes, skates, hoverboards e monociclos elétricos. Já os veículos que podem chegar a 50 km/h, como ciclomotores (também conhecidos como scooters), devem circular apenas nas ruas e passarão a exigir, a partir de 2026, licenciamento e habilitação específica.
Em São Paulo, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) está analisando o cenário a partir da resolução do Contran. Por enquanto, o limite de velocidade adotado na cidade para as bikes é o estabelecido pela resolução anterior, 25 km/h.
Para o arquiteto Luís Henrique Nunes, 53 anos, que já participou de projetos de ciclovias no Rio de Janeiro e costuma ir de bike convencional para o trabalho, a questão depende essencialmente de educação, que está diretamente relacionada à fiscalização. “Não respeitamos as regras mais básicas de civilidade, e usar bicicleta no Rio é um risco potencialmente muito maior do que em qualquer outra cidade”, ele observa.
Nunes diz que em um outro dia decidiu contar a quantidade de infrações e de situações de risco no trajeto de dois quilômetros que ele faz entre a casa e o escritório – foram 30 situações, desde carro estacionado sobre a via até pedestre atravessando sem olhar. “Não há qualquer fiscalização na ciclovia, porque a ciclovia não é compreendida pelo Estado como uma via de circulação.” Para ele, o caminho seria adotar algum tipo de fiscalização, com risco real de multas, como “choque de ordem” para mudança de comportamento.
As discussões tendem a aumentar com a ampliação da frota de bikes elétricas no País. A Tembici, empresa especializada em tecnologia para micromobilidade, está ampliando a oferta de bikes compartilhadas para além de São Paulo e do Rio de Janeiro. Até o final do ano, por meio da parceria com o Itaú, as “laranjinhas” estarão presentes em três outras capitais – Belo Horizonte, Curitiba e Florianópolis. Com isso, a frota chegará a 30 mil unidades disponíveis, crescimento de 50% em relação a 2022. Desse total, 10 mil serão elétricas. Essa expansão está sendo viabilizada pelo empréstimo de R$ 160 milhões que a Tembici obteve, em fevereiro, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o primeiro realizado pela instituição a uma empresa de micromobilidade.