A crise no transporte público do País, tema que se agravou com a pandemia, tem relação direta com seu modelo de financiamento, de acordo com a análise de diversos especialistas. “O mundo desenvolvido adotou a sustentabilidade econômica para o transporte público. O Brasil, no entanto, não tomou essa iniciativa”, diz José Luiz Britto Bastos, advogado, mestre em engenharia de transportes e observador certificado no Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV).
Ele explica que, mesmo antes da covid-19, o volume de passageiros transportados estava em queda, afetando o equilíbrio econômico-financeiro das empresas. “O resultado dos problemas decorrentes da cobertura dos custos operacionais se traduziu no sucateamento da frota. E a grave situação financeira das empresas impossibilita a manutenção e a aquisição de novos veículos”, completa.
A exigência de distanciamento social agravou um cenário já crítico. “A demanda foi reduzida em 80%, obrigando as empresas a diminuírem, proporcionalmente, a oferta de transporte. Nosso modal rodoviário responde por 80% dos deslocamentos da população, nas cidades, mas, em dezembro de 2020, essa demanda caiu para 39,1%, e o número de viagens foi, em consequência, reduzido. O prejuízo real acumulado é de R$ 9,5 bilhões, de março a dezembro de 2020”, diz Bastos.
Segundo estudo feito pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), as medidas tomadas durante pandemia resultaram em uma queda de 51,1%, nos passageiros pagantes transportados pela frota de ônibus urbano em 2020, na comparação com 2019. Dessa forma, cada ônibus transportou, em média, 167 passageiros ao longo de cada dia, o que significa menos de sete passageiros por hora em sistemas com 24 horas de operação.
“A situação observada em 2020 é muito diferente da verificada no início da série histórica, quando cada veículo transportava 631 passageiros pagantes por dia. Desde então, houve uma diminuição de 73,6%”, explica Otávio Cunha, presidente executivo da NTU.
O prejuízo acumulado calculado pela NTU é de R$ 16,7 bilhões, entre março de 2020 e junho de 2021. “É urgente uma mudança estrutural que contemple a alteração do modelo de remuneração. Isso vai garantir maior segurança jurídica e oferecer infraestrutura que permita a oferta de um serviço de qualidade a preços acessíveis”, completa Cunha.
De acordo com Bastos, outras fontes de financiamento para o transporte público têm sido discutidas. “Um exemplo é o Projeto de Lei nº 3.866, do deputado Júlio Lopes (PP-RJ), que trata do custeio das viagens feitas sem o pagamento de tarifas por parte dos idosos, com a transferência de recursos do Fundo Nacional do Idoso”, diz. Ele afirma que as gratuidades representam em torno de 25% das viagens em transporte público e, quando criadas, não se planejaram contrapartidas para o custeio.
A participação da sociedade que não usa o transporte público no seu financiamento também é citada pelo especialista. “A tributação do transporte individual, destinando recursos à operação do sistema, pode permitir as necessárias melhorias”, afirma Bastos. Outra saída, ainda, é a Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (Cide) municipal, cobrada dos usuários do transporte individual motorizado, como automóveis e motocicletas, incidente sobre gasolina, etanol e gás natural veicular.
“O objetivo é cobrir parte dos custos do transporte público coletivo urbano, ofertados à população, nas cidades e regiões metropolitanas, o que possibilita a melhoria da qualidade e a redução das tarifas”, sugere.