Exclusivo: testamos o novo Scania R410 com motor a gás

Crédito: FELIPE RAU/ESTADÃO

23/03/2020 - Tempo de leitura: 10 minutos, 19 segundos

O destaque da Scania na Fenatran (Salão Internacional do Transporte Rodoviário de Carga) foi o R 410 6×2 movido a gás. A novidade tem preço sugerido em torno de R$ 650 mil. Esse valor é cerca de 30% mais alto que o do cavalo-mecânico equivalente com motor turbodiesel. Desde o lançamento na feira, foram vendidas 13 unidades. O Estradão avaliou, com exclusividade, a nova opção da marca sueca, que aposta na redução das emissões de poluentes para conquistar os transportadores brasileiros.

Segundo informações da Scania, a diferença de R$ 150 mil não será um impeditivo para o sucesso do R 410 a gás. A fabricante aposta em um novo nicho de mercado formado por transportadores preocupados com as emissões de poluentes. Essa é uma tendência que vem sendo valorizada por embarcadores na hora da contratação do frete.

A fábrica da Scania em São Bernardo do Campo (SP) já está produzindo unidades de pré-série do R 410 a gás. As 13 primeiras encomendas serão entregues aos compradores em abril. De acordo com a marca, “outras dezenas já estão sendo negociadas”.

A marca aposta na retomada das vendas de caminhões no mercado brasileiro. Ainda segundo a empresa, a expectativa é comercializar cerca de 200 unidades do novo caminhão R 410 a gás no primeiro ano de vendas.

Avaliamos o Scania R 410 6×2 com motor a gás comprimido (GNC). Essa versão deverá ser a mais emplacada – representa 90% das encomendas concretizadas.

O motor do cavalo-mecânico também pode queimar biometano puro ou misturado. O gás de origem vegetal ou produzido a partir de resíduos de lixo pode ser adicionado ao GNC em qualquer proporção.

A Scania também oferece o R 410 6×2 com motor a gás natural liquefeito (GNL). Uma unidade do cavalo-mecânico movida pelo combustível líquido já roda em testes no Brasil. A avaliação do modelo está sendo feita em parceria com a Cervejaria Ambev.

Motor do Scania R 410 a gás é Euro 6

O motor do modelo avaliado é o OC13 de ciclo otto. Diferentemente dos propulsores a diesel, o seis-cilindros em linha utiliza velas de ignição. Com 12,7 litros, a novidade gera 410 cv de potência a 1.900 rpm e 204 mkgf de torque entre 1.100 e 1.400 rpm.

O motor DC 13 turbodiesel do Scania R 410 gera a mesma potência a 1.900 rpm. O torque, de 219 mkgf (7,3% maior), é entregue entre 1.000 e 1.300 rpm. Na prática, esses 15 mkgf de diferença não são perceptíveis.

Em relação aos níveis de poluentes, tanto com GNC quanto com GNL o Scania R 410 a gás emite 15% menos CO2 que a versão a diesel. Ao utilizar biometano, a redução pode chegar a 90%.

O motor a gás já está em conformidade com o Proconve P8 (equivalente ao Euro 6 vigente na Europa). Trata-se da próxima fase do programa brasileiro de controle de emissões, que deve entrar em vigor no Brasil em 1º de janeiro de 2023.

O Scania R 410 6×2 a gás tem câmbio automatizado Opticruise de 12 marchas, mais duas super-reduzidas. Essa caixa tem um sistema batizado de lay shaft brake, que freia o eixo secundário da caixa.

O dispositivo também contribui para que a pressão do turbo seja mantida. Com isso, além de garantir suavidade nas trocas de marcha, o caminhão não perde velocidade no momento das passagens.

Na alavanca do lado direito do volante fica a Opticruise e o freio retarder

Configurado para o gás

A unidade avaliada do Scania R 410 6×2 a gás estava atrelada a um implemento de dois eixos da Noma, com 25 toneladas de carga líquida. A soma do conjunto resultou em peso bruto total combinado de 41,5 t.

Esse é o PBTC é máximo permito nas balanças em rodovias brasileiras para essa composição. Com isso, foi possível avaliar com bom nível de precisão as respostas do cavalo-mecânico com motor abastecido com gás.

O caminhão estava equipado com oito cilindros de gás (quatro de cada lado). Esse conjunto comporta 230 m³ de gás (equivalente a 944 litros). Com os “tanques cheios”, o Scania R 410 6×2 a gás pode rodar 500 km.

Esse é um dos pontos negativos do modelo. Na versão equivalente com motor a diesel e tanques para 900 litros de combustível, a autonomia supera facilmente os 1.000 km.

Para acomodar os cilindros de gás, a nova versão do Scania R 410 tem 3,9 metros de distância entre os eixos. Na configuração a diesel o entre-eixos costuma variar de 3,3 m a 3,5 m. Quase todos os implementos podem ser atrelados ao cavalo-mecânico movido a gás, de acordo com informações da Scania.

A exceção são os implementos com 15,4 metros de comprimento. Isso porque a legislação brasileira determina que a distância máxima de para-choque a para-choque seja de 18,6 metros.

De acordo com o gerente de produto da Scania Latin America, Paulo Genezini, a marca oferece outras opções de tamanho e tipo de montagem dos cilindros de gás. Com isso, é possível atender as necessidades do transportador sem desobedecer a legislação.

O executivo informa que o peso em ordem de marcha do R 410 6×2 com os cilindros cheios de gás é equivalente ao da versão a diesel também com os tanques cheios. A favor do gás está o menor peso em relação ao combustível líquido.

A faixa verde de rotação do veículo não aparece mais no conta-giros. Mas a inteligência do Opticruise automaticamente faz o caminhão trabalhar na rotação certa

Silêncio a bordo

Ao virar a chave e ligar o Scania R 410 a gás, chamou a atenção o baixo nível de ruído do motor na comparação com a versão a diesel. Com o câmbio na posição “neutro”, o decibelímetro marcou 59 decibéis. Contribui com isso a boa qualidade do revestimento acústico da cabine.

Em marcha, a 80 km/h e com o motor girando a 1.250 rpm, o equipamento utilizado para medir a intensidade do som registrou 72 decibéis. A Scania informa que o R 410 com motor a gás é 20% mais silencioso que a mesma configuração a diesel.

Outro destaque são as respostas rápidas aos comandos do acelerador em arrancadas. A versão a gás é notavelmente mais ágil. A explicação é que os motores de ciclo Otto têm pistões mais curtos que os de ciclo diesel. Isso reduz o tempo para completar as quatro fases de funcionamento: admissão, compressão, explosão e escape.

Vigor nas arrancadas

Na operação, a 70 km/h e com a 12ª marcha engatada, o motor não passa de 1.100 rpm. Esse comportamento é similar ao do Scania R 410 movido a diesel. Isso se traduz em menor consumo de combustível.

Em subidas, a diferença de 15 mkgf de torque do motor a gás em relação ao a diesel não foi perceptível. Em uma retomada de aceleração de 20 km/h para 60 km/h, o caminhão respondeu prontamente à pressão feita no pedal da direita. A rotação, em 11ª marcha, ficou em torno das 1.400 rpm, considerado como um ritmo muito bom.

A atual geração de caminhões da Scania não tem a “faixa verde” no conta-giros. Esse recurso era utilizado para ajudar o motorista a manter a faixa ideal de giro do motor de acordo com a situação. A explicação da marca é que o indicador só faz faz sentido em modelos com câmbio manual, em que é o motorista quem escolhe a marcha.

Câmbio prioriza consumo

No caso da transmissão automatizada, o gerenciamento é feito pela central eletrônica. Mas o motorista pode reduzir ou “subir” marchas manualmente por meio de uma haste atrás do volante. Esse recurso é ideal em situações como ultrapassagens ou subida de serra, por exemplo, ou mesmo no fora-de-estrada.

Ao radar em velocidade constante, como em rodovias e trechos planos, o câmbio automatizado prioriza o modo econômico de condução. Isso ocorre de modo automático, sem necessidade de interferência do motorista.

Na descida o ‘retarder’ segura

Como os motores do ciclo Otto não têm a mesma pressão dos a diesel, o R 410 a gás não tem sistema de frenagem auxiliar, conhecido como “freio-motor”. Trata-se de um dispositivo de segurança, útil principalmente quando o caminhão está carregado em descidas muito severas.

Grosso modo, o freio-motor é composto por um sistema acoplado ao tudo de escapamento que inclui uma “borboleta” que, ao se fechar, reduz drasticamente a rotação do motor. Essa força é enviada ao eixo (ou eixos) de tração para diminuir a velocidade.

Em vez disso, o caminhão movido a gás traz de série o recurso batizado pela Scania de retarder. Trata-se de um sistema auxiliar, com potência de frenagem equivalente a 860 cv.

A bordo o conforto prevalece e todos os recursos do painel estão ao entorno do motorista

O retarder é um sistema hidráulico que trabalha em conjunto com a caixa de marchas. O acionamento é feito por meio de uma alavanca localizada à direita do volante. Na mesma haste está o Opticruise, nome da transmissão da Scania. Há cinco opções de atuação do sistema de frenagem, que podem ser acionados pelo motorista conforme a necessidade. Ao acionar o nível mais alto de atuação, é possível parar completamente o caminhão.

Na estrada foi possível avaliar as funcionalidades do sistema. Entre as vantagens, não é preciso manter a rotação do motor acima das 2.000 rpm, como ocorre com o freio-motor. A 60 km/h, com o seis-cilindros na faixa das 1.000 rpm, basta acionar o primeiro estágio do retarder para a velocidade baixar cerca de 50%. Isso ocorre de forma suave e sem que seja preciso pisar no pedal de freio.

Reabastecimento requer planejamento

O reabastecimento completo dos oito cilindros de gás leva em torno de 25 minutos para ser feito. E o posto de combustível deve ter um bico específico, em conformidade com as regras estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Para reduzir o tempo de reabastecimento, a Scania está buscando homologar um novo bico, do tipo NGV2, utilizado pelos caminhões a gás na Europa. Por ser mais largo, esse sistema permite reabastecer a mesma quantidade de gás em cerca de dez minutos.

A Scania está homologando o bico NGV2 para que o abastecimento seja mais rápido

Oferta de caminhões a gás vai crescer

A Scania também oferece no País os caminhões P 280 e G 340 com motor a gás. O primeiro é direcionado à operações urbanas e intermunicipais. O G 340 é focado no fora-de-estrada, como mineração e construção civil, por exemplo.

A empresa informa que está homologando outras 20 opções de caminhões. Entre as novidades haverá um modelo com motor superior aos 410 cv de potência. O objetivo é atender transportadores que operam com veículos cujo peso bruto total combinado (PBTC) é de 74 t. As apostas são o R 450 ou o R 500.

De acordo com informações da Scania, a fábrica de São Bernardo (SP) está pronta para atender o aumento da demanda. Isso porque a planta contempla o conceito de produção modular. Assim, a empresa pode produzir o caminhão a gás com a cabine, potência de motor e eixo que o transportador quiser.

Veredicto

O Scania R 410 a gás garante o mesmo nível de entrega do modelo similar com motor a diesel. Sua principal vantagem é ser menos poluente. Por isso, deverá atender frotistas e embarcadores interessados nesse novo nicho de mercado, que vem crescendo. O preço 30% mais alto pode assustar os clientes mais conservadores.

A favor está o fato de a Scania se antecipar às tendências. E oferecer no Brasil uma gama de produtos alinhada com o que há de mais moderno no mundo. Com os caminhões a gás, a empresa incentiva toda cadeia do setor – da ampliação da rede de reabastecimento à geração de renda por meio do apoio à produção de biometano.