Se você pudesse construir a relação ideal que você tem com sua cidade, como ela seria? Talvez morar perto do trabalho e curtir as ruas caminhando até ele todos os dias ou trabalhar de casa e deixar a cidade para os momentos de lazer. Talvez você optaria em ir mais a parques, praças e conviver com sua comunidade. E, quem sabe, garantir que seus filhos entendam que as cidades também são deles e se sintam seguros nela.
Eu sei que nada disso depende só da nossa vontade. Segurança, infraestrutura urbana, preços proibitivos de moradia em regiões centrais são pontos relevantes que influenciam diretamente na forma como vivemos em nossas cidades.
Mas eu tenho certeza de que, nessa relação ideal, não estaria passar horas dentro de um carro no engarrafamento, com todo o stress e a perda de tempo que vem com isso, além da poluição que nós mesmos respiramos.
Trabalhar de casa, nas últimas semanas, tem me feito sentir muita falta da cidade. Nossos parques são poucos, mas são verdes. Nossas ciclovias são insuficientes, mas permitem pelo menos alguns momentos mais agradáveis e seguros nos deslocamentos diários de algumas pessoas.
Muitas coisas que levariam anos para ocorrer tiveram que acontecer em poucos dias. Todo esse impacto já alterou valores e hábitos.
Os cursos a distância nunca foram tão valorizados, o sistema de saúde recebeu muitos investimentos e as formas que consumimos já não são mais as mesmas. Transformações significativas têm acontecido em todas as estruturas de uma sociedade, inclusive as relacionadas à sustentabilidade.
Nossa ligação com o planeta e as consequências de nossas escolhas já têm refletido em ações de diversas cidades no mundo. Muitas dessas iniciativas incluem repensarmos a forma como nos locomovemos.
Em Milão, na Itália, por exemplo, há um ambicioso plano para reduzir a quantidade de carros nas ruas ao final do isolamento social. Um grande projeto de readequação do espaço urbano diminui as vias para veículos e as destina para bicicletas e a locomoção a pé.
Um dos principais motivos para esses investimentos é justamente estimular que a maioria das pessoas circule pelas ruas, tendo acesso direto ao comércio, auxiliando na recuperação da economia local. As cidades de Bogotá e Nova York também já estão realizando medidas de fomentar o uso das bikes e possibilitar que muitos evitem a utilização de transporte coletivo.
Ver a abertura das ruas para ciclistas e pedestres como uma forma de aceleração da economia não só faz sentido como é necessário. A bicicleta também está sendo tratada pelo Fórum Mundial Econômico como uma das soluções no mundo pós-pandêmico. A previsão de crescimento no número de vendas de bicicleta até 2022 é de mais de US$ 20 bilhões de dólares.
Como disse no último artigo, estamos aprendendo muito com este momento. Segundo a Agência Espacial americana (Nasa), em Wuhan, na China, os níveis de dióxido de nitrogênio foram de 10% a 30% mais baixos em relação aos índices antes da pandemia.
Na Itália, desde que o país entrou em confinamento, em 9 de março, os níveis de CO2 caíram cerca de 40%. Os serviços de delivery, que já estavam em crescimento, aumentaram exponencialmente, reafirmando a importância da conveniência.
Nunca debatemos tanto saúde, e as buscas do Google relacionadas à “atividade física” e “imunidade” cresceram 950% no período. Estamos aprendendo uma nova rotina.
Mas o mais importante, para mim, é tudo o que vamos aprender quando nossas cidades voltarem à normalidade – o que quer que isso signifique. Gostaria que o primeiro grande aprendizado coletivo fosse a valorização e o cuidado com o espaço urbano, e como nossas escolhas têm um impacto enorme nas nossas cidades – e, principalmente, em nós mesmos.
A mudança de hábito sempre foi o maior desafio para que uma pessoa deixasse seu veículo em casa e passasse a usar a bicicleta e, agora, temos mais motivos que nunca para investir nisso.
Pedalar é uma forma de locomoção “open air” e individual, pontos extremamente relevantes quando se quer evitar aglomerações. Além disso, num momento de recessão da economia, as bikes são o meio de transporte mais barato nas cidades.
No mundo pós-pandêmico, aumenta a urgência de encontrarmos caminhos mais eficientes e alinhados às novas necessidades de mobilidade da população. Mais que nunca, é necessário repensar nossas escolhas e na geração de um impacto positivo na sociedade. Neste contexto cheio de quebras de paradigmas, pergunto: como você vai se deslocar quando a quarentena acabar?