Mesmo com a pandemia, 26% da população paulistana gasta mais de duas horas em seus deslocamentos, de acordo com a pesquisa Viver em São Paulo: Mobilidade Urbana, realizada pela Rede Nossa São Paulo, em parceria com o Ibope Inteligência. O levantamento traz, todos os anos, os tempos de deslocamento na cidade e, nessa edição, também avalia o impacto da pandemia no dia a dia da população paulistana.
Entre as pessoas que usam carro diariamente ou quase todos os dias, a média é de 2h06, em 2020 – 27 minutos a menos do que em 2019. Porém, entre as que utilizam transporte coletivo público diariamente ou quase todos os dias, de acordo com a pesquisa, o tempo médio é de 2h31, 4 minutos a mais do que em 2019. Esse é um desafio já conhecido em nossa metrópole, um problema de infraestrutura urbana que é caracterizado, principalmente, pela concentração da maior parte dos empregos e das moradias em áreas diferentes da cidade, resultando em perdas econômicas e, principalmente, na qualidade de vida das pessoas.
Trazer soluções a essas questões é o desafio do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo (PDE), lei de 2014 que orienta o crescimento da cidade até 2030 e que está sendo revisado. Neste ano, por causa da pandemia, a participação da sociedade nas discussões tem acontecido de forma híbrida, com ações presenciais e digitais (reuniões, audiências públicas, visitas regionais e enquetes online). Após o cumprimento de todas as etapas e dos debates, a atual administração tem até dezembro deste ano para encaminhar um projeto de lei ao Poder Legislativo Municipal com a proposta de revisão do PDE.
Para Alejandra Maria Devecchi, urbanista e gerente de planejamento urbano da Ramboll, empresa dinamarquesa de planejamento em infraestrutura especializada em questões ambientais, uma das formas de amenizar o problema dos deslocamentos demorados seria aumentando a ocupação residencial da área central.
“Na região metropolitana de São Paulo, há uma clara dissociação entre a localização do emprego e a da moradia, com grande parte da população levando em entre duas e três horas para chegar a seus trabalhos diariamente. O chamado centro expandido concentra 64% dos empregos e apenas 17% da população residente”, explica a urbanista.
De acordo com ela, isso representa, em linhas gerais, 5 milhões de empregos e 2 milhões de pessoas residindo nessas áreas. “Os demais, ou 3 milhões de trabalhos, são distribuídos entre pessoas que se deslocam das mais diversas regiões metropolitanas para o centro”, diz.
Em sua tese de doutorado sobre o tema, a urbanista defende que a cidade oferece algumas oportunidades nesse sentido. “Uma delas seria dar novo uso aos espaços subutilizados, atualmente, nos distritos da Sé e da República, na região central. São escritórios comerciais, construídos antes da década de 1950, em geral com um banheiro por andar, que não são mais adequados à forma em que trabalhamos hoje”, diz. De acordo com Devecchi, muitos deles estão fechados ou se transformaram em depósitos, totalizando 6 milhões de metros quadrados. “Esses espaços poderiam ser transformados em 100 mil unidades residenciais com base em uma política habitacional de reforma”, diz.
Outra área apontada pela urbanista com potencial é a região conhecida como Arco Tietê, nas duas margens do Rio Tietê, com aproximadamente 400 hectares e ocupada por clubes e órgãos públicos, em sua maioria. A ideia, que surgiu na gestão de Fernando Haddad (PT) como prefeito de São Paulo, entre 2013 e 2016, era atrair novos empreendimentos à região por meio de concessões e incentivos ao setor privado.
Encaminhada para apreciação dos vereadores em torno de 15 dias antes do término de seu mandato, a proposta não teve nenhuma movimentação importante depois disso. Devecchi defende que essa região, somada às áreas dos distritos da Sé e da República, seria capaz de produzir moradia para 2 milhões de pessoas. “Isso certamente diminuiria muito os deslocamentos, pois seriam 4 milhões de pessoas morando e residindo na região, somando as 2 milhões que já estão lá”, explica.
Gustavo Partezani Rodrigues, diretor do Instituto Urbem e fundador da URBR Estratégias Urbanas, defende o conceito de São Paulo como uma cidade polinuclear, com a criação de diversos polos nas periferias, impulsionando o desenvolvimento, também, às bordas da cidade. Significa, na prática, levar mais emprego, lazer, saúde, escolas técnicas, espaços culturais e de esporte a esses locais. Um exemplo, segundo ele, é Alphaville, que tem se desenvolvido ao longo dos anos. “Antes, as pessoas que residiam lá iam para a capital diariamente; hoje, já existe até o fluxo inverso, de pessoas que trabalham em Alphaville e moram na capital”, explica.
De acordo com ele, a cidade polinuclear não resolve 100% dos problemas, porque alguns setores da economia não podem ser acomodados nesses locais. “Mas é fundamental que a gente leve em conta que nenhuma estratégia, sozinha, irá solucionar todos os desafios. Estamos falando de São Paulo, uma megametrópole; então, temos que utilizar diversos métodos combinados para melhorar a dinâmica urbana e a vida das pessoas”, explica.
Segundo Rodrigues, outro desafio da cidade é o planejamento dos transportes, que faz com que a maioria da população que usa transporte público, sobretudo complementando com trens e metrôs, seja obrigada a passar pelo centro de São Paulo, mesmo que o destino seja a zona sul ou outras regiões. “Poderíamos ter várias rotas, desafogando uma região que já é naturalmente sobrecarregada, como a central”, explica.
“O chamado centro expandido concentra 64% dos empregos e apenas 17% da população residente.”
Alejandra Maria Devecchi, doutora em planejamento urbano e regional pela FAU/USP, atua há mais de 30 anos em gestão e desenvolvimento de projetos urbanos e formulação de políticas públicas.
“Como São Paulo é uma megametrópole que precisa utilizar diversos métodos combinados para melhorar a dinâmica urbana e a vida das pessoas.”
Gustavo Partezani Rodrigues,arquiteto e urbanista com experiência na concepção e desenvolvimento de projetos urbanos e políticas públicas que promovam melhorias para a população.