Quase vinte por centro dos cerca de 40 mil mortos por ano, decorrentes de acidentes de trânsito no Brasil, são pedestres. Pessoas que caminham para ir a seus compromissos diários, como trabalho ou escola, ou mesmo em direção ao transporte público, são vítimas importantes do nosso sistema viário.
As causas vão desde desrespeito às leis de trânsito, imprudência, até o incorreto desenho das vias e falta de sinalização adequada. Para discutir esse assunto, entrevistamos Paula Santos, gerente de mobilidade ativa do WRI Brasil. Confira, a seguir.
É fundamental adequar os limites de velocidade ao contexto da via. Isso significa que, se uma rua está inserida em um ambiente com diversos atrativos para as pessoas como comércio, restaurantes e espaços públicos, ela não pode ser uma ameaça para quem utiliza esses locais.
A infraestrutura da rua comunica qual o usuário está sendo priorizado ali: calçadas amplas para que as pessoas não corram o risco de andar no leito viário, travessias frequentes, acessíveis e com tempo suficiente para travessia de todos, piso regular, entre outras características. Vias isoladas, onde os veículos trafegam sem comprometer a segurança de pedestres, mas também de outros usuários vulneráveis como ciclistas e motociclistas, podem ter limites de velocidades mais elevadas, servindo unicamente como corredores de escoamento do fluxo veicular.
As cidades brasileiras, como em muitos outros países, foram planejadas e construídas para os carros. Todas as grandes obras de infraestrutura viária, bem como o ordenamento territorial das cidades, se basearam no automóvel e no princípio de maximizar o fluxo de veículos motorizados.
Isso tem várias consequências, como o espaço para o pedestre precário. Segundo dados do Instituto Cordial, 40% das calçadas da cidade de São Paulo possuem largura abaixo da estabelecida por lei.
Um dos principais fatores que tornam as vias urbanas mais perigosas para os pedestres, no entanto, é a velocidade dos veículos motorizados. Cidades brasileiras ainda adotam limites de velocidade muito elevados, considerando a convivência entre os diferentes usuários na mesma via.
Carros, pedestres e ciclistas podem conviver de forma mais harmônica e segura em velocidades mais baixas: a 30 km/h, a chance de um pedestre sobreviver a um atropelamento é mais de 8 vezes maior do que a 50 km/h.
Não por acaso, a OMS recomenda o limite de 30 km/h para a maioria das vias urbanas, onde há essa interação entre carros e pedestres. A mesma organização também recomenda que as vias urbanas não tenham limites de velocidade acima de 50 km/h, e que esse limite seja usado apenas em vias onde o fluxo de veículos não interferira nos deslocamentos de pedestres e ciclistas e na convivência das pessoas com o espaço público da rua.
A caminhada é o modo de transporte mais antigo, e somos todos pedestres em algum momento de nossos deslocamentos. Esse conhecimento parece ter sido deixado de lado. Resgatar a mobilidade a pé não requer grandes inovações necessariamente, mas é em si uma solução que traz bons resultados.
Cidades mais caminháveis são locais com melhor qualidade do ar, menos mortes no trânsito, mais saúde, comércio mais vibrante, melhor desenvolvimento das crianças. São localidades mais resilientes e com menos desigualdade no acesso a oportunidades.
A partir do reconhecimento do papel das cidades na proteção de todos os seus cidadãos contra esses problemas, a mobilidade a pé surge como uma solução óbvia. Bons projetos viários jamais serão concebidos sem calçadas espaçosas, com travessias seguras e com tempos semafóricos que permitam que todos atravessem a rua sem precisar correr, além de velocidades que respeitem a fragilidade do corpo humano.