Bairros da periferia com alto índice de pedestres têm o pior calçamento de SP

Calçadas são ainda piores na periferia da capital paulista. Foto: Getty Images

30/03/2022 - Tempo de leitura: 5 minutos, 28 segundos

Não precisa ser especialista no tema para notar que a realidade dos passeios públicos é bem diferente do que consta no Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias, elaborado pela prefeitura de São Paulo. Basta colocar os pés na rua e caminhar pelas vias e avenidas da cidade. Se for nas periferias, então, a situação é ainda mais desafiadora. A Nota Técnica “Políticas Públicas, Cidades e Desigualdade – Priorizar o Transporte Ativo a Pé!”, publicada, em agosto de 2021, pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cepid/Fapesp), mostra que as calçadas com largura inferior a 2 metros se concentram, principalmente, nas periferias das zonas norte e leste da cidade, justamente áreas com alto percentual de deslocamentos a pé.

Leia a matéria completa sobre a situação das calçadas na cidade de São Paulo.

“Isso significa que locais em que há mais gente caminhando, ou seja, onde se concentra a população que menos possui carros e motos, estão as piores calçadas. É a questão da desigualdade socioespacial que aparece nessa e em outras dimensões da cidade, como no acesso do transporte público”, explica Mariana Giannotti, pesquisadora do CEM, professora da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e uma das responsáveis pelo estudo.

Mariana e os demais autores – Bruna Pizzol, Diego Tomasiello, Steffano de Vasconcelos, Laura M. Fortes e Fernando Gomes – mapearam as calçadas com base nos dados do GeoSampa, o mapa digital da cidade de São Paulo, e descobriram que as regiões administrativas do centro, oeste e sul 1 (em que se localizam as subprefeituras Ipiranga, Jabaquara e Vila Mariana) são as que apresentam as maiores larguras medianas de calçada.

Já nas regiões leste 2 (subprefeituras Cidade Tiradentes, Ermelino Matarazzo, Guaianases, Itaim Paulista, Itaquera, São Mateus e São Miguel), norte 1 (subprefeituras Jaçanã/Tremembé, Santana/Tucuruvi e Vila Maria/Vila Guilherme), norte 2 (subprefeituras Casa Verde/Cachoeirinha, Freguesia/Brasilândia, Perus e Pirituba) e sul 2 (subprefeituras Campo Limpo, Capela do Socorro, Cidade Ademar, M’Boi Mirim, Parelheiros e Santo Amaro) apresentam as calçadas mais estreitas.

Encontrando caminhos

As soluções passam, de acordo com Mariana Giannotti, por instrumentos das políticas públicas de mobilidade a pé, como as diretrizes do Plano Diretor Estratégico de São Paulo (PDE) de 2014, Plano de Mobilidade de São Paulo de 2015 (PlanMob) e pelo Estatuto do Pedestre (2017). Ela afirma que o PlanMob sugere, por exemplo, o aumento da responsabilidade da prefeitura de São Paulo sobre o espaço público viário.

“O que é complicado é que não existe a gestão. Os recursos para a requalificação das calçadas nessas regiões mais críticas poderiam vir, em tese, do Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb)”, diz. Ela afirma que esses fundos são destinados à implantação dos sistemas de transporte público coletivo, cicloviário e de circulação de pedestres, e que, de acordo com a Norma Técnica 5, também do CEM, existem recursos financeiros da ordem de R$ 1 bilhão que não foram utilizados.

“A mobilidade a pé precisa ser incentivada, em detrimento da motorizada. O número de pessoas por metro quadrado que cabe num carro é desproporcional, na comparação com as calçadas, além de os veículos gerarem outras externalidades como problemas de saúde, sinistros, entre outros”, finaliza.

Como se vê, o desafio é enorme. Mas deve ser enfrentado. Afinal, circular com segurança pelas calçadas é, literalmente, um primeiro passo para que a população possa se apropriar do espaço público e aproveitar tudo o que a cidade oferece de oportunidades. Isso é ser sustentável. Isso é ser inclusivo.

Ícaro Mendes da Silva, oficial de manutenção mecânica e morador de Guaianases. Foto: Arquivo Pessoal

As calçadas não têm padronização nem continuidade

“Moro no Jardim Aurora, em Guaianases, e ando todo dia cerca de 1,2 quilômetro até a estação da CPTM José Bonifácio. Depois do trem, pego o metrô e ando mais um pouco pelo bairro, na região da Estação Bresser-Mooca, até chegar ao trabalho. No meu trajeto ao trem, encontro calçadas que consigo andar, locais com mato e calçadas piores em alguns trechos. No geral, não tem padronização nem continuidade, principalmente nos rebaixamentos, mas eu consigo andar. Se fosse uma pessoa com carrinho de bebê, por exemplo, teria que mudar o caminho ou andar na rua, por causa da largura do calçamento, em alguns pontos. Mas é assim, não adianta reclamar, a gente se adapta porque a realidade é essa. Já na região próxima ao meu trabalho, as calçadas são muito melhores.”

Silvana Cambiaghi, arquiteta e presidente da Comissão Permanente de Acessibilidade de São Paulo (CPAS), é cadeirante por conta da paralisia infantil. Foto: Arquivo Pessoal

A realidade desestimula as pessoas a verem a cidade por outros ângulos

“Independentemente de ser cadeirante, avalio como absurda a situação das calçadas, no Brasil. As pessoas acham que ter um calçamento adequado é importante para pessoas com deficiência, mas isso é fundamental a todos. A realidade que temos, hoje, desestimula as pessoas a caminharem, verem a cidade por outros ângulos, a se apropriarem do espaço público. Em Roma, por exemplo, no circuito turístico, há uma faixa fixa de piso que é adequada a todos. No Brasil, também temos bons exemplos, como no centro histórico de Curitiba (PR), em Salvador (BA), na Rua Avanhandava, no centro de São Paulo, no bairro de Moema, entre outros. Mas é preciso expandir essas boas práticas para todas as cidades e para a cidade toda. Sobre o proprietário de imóvel ser responsável pela calçada, você já imaginou se cada dono de veículo tivesse que conservar um pedaço da via em que transita como ela seria? No final, o que precisamos é do desenho universal nas calçadas. Ou seja, que elas atendam todas as pessoas ao mesmo tempo. Isso sim é inclusão.”

• Subprefeituras de Brasilândia, Guaianases, Cidade Tiradentes e Sapopemba são as que apresentam maior percentual de calçadas com largura abaixo do mínimo estabelecido
de 2 metros*
• Quanto maior a largura das calçadas, maior a concentração de habitantes de classe alta e branca

* Fonte: Nota Técnica “Políticas Públicas, Cidades e Desigualdade – Priorizar o Transporte Ativo a Pé!”, do Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cepid/Fapesp)