O Expresso na Perifa, em parceria com o Nós, Mulheres da Periferia, investiga o fenômeno nesta reportagem
Unhas estampadas com flor, onça, sereia, bolinha, xadrez, personagens da cultura pop — como Pantera Cor de Rosa e Cinderela — e famosos, a exemplo da vencedora do BBB21 Juliette Freire e da cantora Marília Mendonça. Tem também decoração temática de Natal, Ano-Novo e Halloween. No pequeno espaço das unhas cabe uma infinidade artística que combina técnica e criatividade da manicure a desejo e personalidade da cliente. As chamadas nail arts enfeitam mãos e pés.
O processo exige paciência e muita prática das profissionais. Junto a essa tendência, há os alongamentos feitos em gel, fibra de vidro ou acrílico, para deixar as unhas mais compridas e resistentes. Pequenas telas para obras de arte.
Carreira
Manicure há mais de 20 anos, Elaine Martins diz que no começo foi difícil formar clientela e precisava dividir a profissão com a de doméstica. Agora atende as clientes em um salão e também em casa, na Vila Santo Estefano, zona sul da cidade de São Paulo.
Bonytha, como é conhecida pelas clientes e amigas, começou a estudar alongamentos e decorações simples há dez anos, quando não era algo muito procurado. O cenário mudou e esses procedimentos estão bombando nas periferias. “Não é porque no Morumbi tem que na favela não tem. Tem! Tem mais, melhor, e até de madrugada”, diz ela. Os cuidados com o alongamento são responsabilidade compartilhada entre manicure e da cliente, ressalta Bonytha. O material usado, a higienização e a manutenção são decisivos que as unhas continuem bonitas.
Também na zona sul, Thais Amorim, que sempre gostou de desenhar, fez da nail art o seu diferencial na carreira de manicure. Ela conta que ao longo dos anos a área teve muita evolução. Antes os desenhos eram feitos só com esmalte e palito. Agora há outras opções, como unhas encapsuladas, que recebem uma camada de gel por cima da decoração.
Thais tem 22 anos, trabalha com manicure desde os 12 e percebe que em sua região há várias nail designers, uma área bem procurada pelas meninas em busca de uma profissão. No início, sua ideia era ter uma renda extra, “mas depois eu me apaixonei pela profissão e vi que era o que Deus tinha reservado para mim”. Thais tem uma esmalteria no Jardim Ângela. Se a cliente preferir, atende em casa.
Em 2019, Thais ganhou repercussão com a divulgação do Trono das Divas, uma cadeira alta que permite à manicure fazer as unhas do pé da cliente sem se curvar. A ideia nasceu na faculdade de Recursos Humanos e o nome do produto foi sugestão de uma amiga e cliente fiel, a influenciadora digital Joana Darck.
Jô, como é chamada pelos amigos próximos, se define como vaidosa e faz alongamento de gel nas unhas há quatro anos. “A minha unha sempre foi grande, mas quando quebra você chora; com o alongamento, se quebra, você arruma.” É essa amiga que Thais procura quando quer fazer um desenho novo nas unhas. Foi assim que prestaram homenagem à cantora Marília Mendonça após sua morte.
Jô marca presença no salão toda semana e diz que depois de fazer as unhas se sente “mais linda do que já é” e gosta de esmalte de cores fortes. “Se me ver com francesinha ou nude pode me perguntar se não estou bem. Minha unha vai de acordo com o meu humor, amo cor ‘cheguei’, a unha chega primeiro que eu.”
Galeria
A nail designer Negra Ba conta que os desenhos variam conforme a personalidade da cliente, algumas se inspiram em artes que viram na internet, outras querem que a unha combine com a roupa que vão usar. “A nail art vai de acordo com cada uma, mas todo mundo está curtindo, porque é uma forma de se expressar, se mostrar para o mundo”, explica. “Vejo na unha a oportunidade de colocar a arte”, afirma. Essa arte é fruto de uma troca entre ela e a cliente. “É um quadro meu, só que é um quadro humano, um quadro que anda”, conclui.
De seus 44 anos de idade, a metade foi vivida na profissão de manicure. Atende suas clientes em um salão de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, onde é sócia. Além das decorações nas unhas, faz alongamentos. É evidente, diz Negra Ba, a diferença da visibilidade entre manicures negras e brancas. Para ela, isso vem do racismo estrutural e, apesar do espaço já conquistado pelas profissionais negras, o cenário poderia ser melhor.
Quem também vê a unha como espaço artístico é Valquiria Calori, nail designer e especialista em alongamentos em gel. Antes de ser manicure ela já gostava de desenhar e isso a motivou a começar com artes simples nas unhas das clientes. “Quando eu comecei a fazer a unha em gel eu descobri que era ainda mais fácil desenhar”, afirma. As decorações são parte importante de seu faturamento. “É uma coisa que me ajuda muito, porque além do valor que eu recebo na unha normal, tem o valor da arte que é cobrado à parte.”
Aos 36 de idade e 20 de manicure, Valquiria saiu de Maceió, em Alagoas, há alguns anos. Em São Paulo, alugou um espaço no Grajaú, zona sul da cidade. “Eu aluguei um cantinho mesmo, mas vem gente de vários lugares para estar naquele cantinho.” Na pandemia, ela investiu tempo na especialização em nail art. Acompanhou lives de profissionais da área e praticou bastante. Mas garante: “tem muita coisa ainda para aprender.”
Valquíria considera a decoração e os alongamentos um fenômeno nas quebradas e também uma oportunidade. “Fico muito feliz porque percebo que estou influenciando as meninas aqui do meu bairro, elas não faziam arte e ai começaram”, conta. A manicure afirma ainda que a profissão exige muita disposição e paciência, por ser um trabalho tão detalhista.