Após cheia histórica, periferias do Amazonas sofrem com seca e aumento de preços

Foto do terminal de barcos na seca no Rio Negro, em Manaus, na Amazônia. Crédito da imagem: Leandro Neumann Ciuff. A foto não foi alterada e a licença é Creative Commons (https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/legalcode)

12/11/2021 - Tempo de leitura: 4 minutos, 35 segundos

Professor da rede pública de ensino de Envira, município brasileiro localizado no interior do estado do Amazonas, Cerlandio Torquatto conta que todos os meses vai até a cidade vizinha de Feijó, no Acre, para realizar exames e consultas médicas. Mas a seca impossibilitou a continuidade de um tratamento de saúde.

Segundo Cerlandio, a viagem, que antes era de dois dias, hoje pode levar até 15 dias de barco devido às dificuldades que as embarcações enfrentam para chegar e sair do município.“Eu me sinto impotente e revoltado. O valor das passagens também aumentou e eu tive que desistir de viajar. Vou ter que esperar até que as coisas melhorem”, diz.

Além da locomoção dos moradores entre os municípios, a vazante dos rios prejudica também o transporte de mercadorias e alimentos. Cerlandio afirma que os preços dos itens da cesta básica aumentaram e outros até faltaram nas prateleiras do comércio local. “Para ter uma ideia, antes um óleo custava R$ 8, hoje você encontra facilmente por R$ 20 num mercadinho da esquina.”

O relato faz parte da realidade nas periferias da região. Após a cheia histórica que atingiu o Amazonas em junho de 2021, nove municípios do sudoeste do estado estão em situação de alerta devido à seca do Alto Solimões. A informações são da Defesa Civil do Amazonas e do Serviço Geológico do Brasil (CPRM).

Isso ocorre por causa dos níveis abaixo do esperado nesta época nas calhas dos rios Javari, Jutaí, Juruá e Purus. Moradores de Guajará, Ipixuna, Itamarati, Eirunepé, Envira, Carauari, Boca do Acre, Pauini e Canutama relatam que o período de estiagem tem levado prejuízos para suas regiões.

Situação semelhante tem ocorrido em Carauari, onde barcos e balsas não conseguem chegar até o porto e somente canoas pequenas atracam em local improvisado. O valor do pescado, vendido na feira dos portos, também aumentou.

“Antigamente, levava 10 minutos da minha casa até o porto da cidade para comprar meu peixe. Agora com esse porto improvisado, que fica a nove quilômetros da sede do município, o trajeto é de quase uma hora. Demoro mais tempo para me locomover e o peixe e as verduras ainda estão muito mais caros”, conta Wilson Costa, morador de Carauari.

Ao Expresso na Perifa, a prefeitura de Envira afirmou que tem distribuído cestas básicas para a população e caminhões com caixas d’água estão auxiliando no abastecimento de água potável. O estado de emergência na cidade foi decretado no dia 28 de outubro de 2021.

Cidades em estado de atenção — Além das nove cidades em estado de alerta, outras 13 estão em situação de atenção: Humaitá, Apuí, Manicoré, Novo Aripuanã, Borba, Nova Olinda do Norte, Atalaia do Norte, Benjamin Constant, Tabatinga, São Paulo de Olivença, Amaturá, Santo Antônio do Içá e Tonantins.

Os moradores de Benjamin Constant, por exemplo, estão sendo afetados pelos mesmos problemas, como preços altos e mudança na rotina. Comerciante na cidade, Floriano Graça afirma que a cheia recorde atingiu as cidades de formas diferentes. Agora, ele trabalha com venda de garrafões de água e desviou a rota, já que os barcos que saem de Manaus não chegam ao município.

Nesse período, a viagem de uma cidade para outra também ficou mais cara, fazendo com que ele e outros comerciantes e agricultores locais sejam obrigados a aumentar os valores das mercadorias. “O transporte até Tabatinga tem saído cada vez mais caro, principalmente com o aumento dos combustíveis e agora essa seca”, conta Floriano. “Durante o dia é preciso fazer várias viagens de ida e de volta levando os garrafões. Tem o aumento de barco e combustível, além dos custos com o motorista e outras burocracias. Infelizmente, a cada seca a conta chega para gente e para quem compra.”

A prefeitura de Benjamin Constant diz que tem articulado para 2022 a utilização de drenagens que possam reduzir os impactos do próximo período de estiagem.

Cenário atípico — André Martinelli Santos, engenheiro hidrólogo do CPRM, explica que a situação dos rios no Amazonas em 2021 foi atípica e que, por causa da dimensão territorial do estado, os processos de vazante e cheia dos rios são diferentes para cada área. “Enquanto na parte norte do estado as águas ainda se encontram em subida, pode estar ocorrendo que na parte sul ainda esteja vazando. Essas variações nos cenários hidrológicos estão muito presentes no estado, portanto não se pode resumir a situação de sua totalidade ao que ocorre na capital, Manaus”, diz o especialista.

O engenheiro conta que a expectativa é que o rio volte a encher nos próximos meses, mas o processo pode acontecer de formas diferentes em cada área do estado. “Em Manaus, é provável que ainda tenhamos algumas semanas de processo de vazante, podendo se estender até fim de novembro ou início de dezembro. Ao passo que em Tabatinga o processo já caminha para seu término, iniciando o seu período de enchente nas próximas semanas.”


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