Censo vai a aldeia indígena no Pico do Jaraguá, em São Paulo

Líder indígena, Tamikuã Txihi recebeu funcionários do IBGE nesta quarta-feira Foto: Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo

11/08/2022 - Tempo de leitura: 6 minutos, 32 segundos
Com reportagem de Italo Lo Re, O Estado de S. Paulo

Sob vento forte e garoa gelada, 12 funcionários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) chegaram à Aldeia Tekoá Itakupé na última quarta-feira, dia 10 de agosto. A comunidade fica aos pés do Pico do Jaraguá, na zona norte de São Paulo. De um dos três carros que levaram a equipe, saiu a recenseadora Layla Cardoso, de 33 anos. Ela percorreu o chão irregular, rodeado por lama, e chegou ao centro cultural onde foi recebida pela líder indígena Tamikuã Txihi, de 38 anos, que usava um cocar e uma calça com estampa do Batman.

A aldeia Tekoá Itakupé tem cerca de 90 moradores e fica a apenas 40 minutos de carro do centro da capital paulista. É ocupada principalmente por representantes dos povos guarani. A visita do dia 9 foi o pontapé inicial do Censo Demográfico das Terras Indígenas de São Paulo, que também mapeia línguas e etnias da população originária.

Tamikuã Txihi mora na aldeia Tekoá Itakupé há cerca de 15 anos Foto: Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo – 10/08/22

“Estar com representantes do IBGE, respondendo a esse questionário, falando do nosso modo de vida, de como nós estamos vivendo e também da nossa luta, é um símbolo de resistência” (Tamikuã Txihi, liderança indígena)

“Estar com representantes do IBGE, respondendo a esse questionário, falando do nosso modo de vida, de como nós estamos vivendo e também da nossa luta, é um símbolo de resistência”, diz Tamikuã Txihi, uma das três lideranças indígenas de Tekoá Itakupé. Ao todo, explica, seis aldeias compõem a região do Jaraguá, tida por historiadores como o local em que se estabeleceu a primeira mina de metais preciosos do Brasil.

Diante disso, a resposta ao Censo, explica Tamikuã, é carregada de simbolismo. “Tempos atrás, os povos indígenas eram tutelados, tinham sempre o que falar pelos povos indígenas. Agora, nós estamos aqui falando da importância dos povos indígenas para que todo mundo veja”, afirmou ela, ressaltando as tradições mantidas por moradores da aldeia. Além do português, ao menos duas línguas são faladas pelos povos indígenas do Jaraguá: o guarani, principalmente, e o tupi, por algumas famílias.

O artista plástico Daniel Werá Poty, de 37 anos, foi um dos que acompanharam a visita dos recenseadores. “O Censo é importante para a gente compartilhar com a população, com a sociedade, a importância de nós, como comunidade, termos os nossos direitos, buscarmos esse equilíbrio de se viver em harmonia com a natureza, mas não deixando de lado os direitos que toda a sociedade tem”, disse. Morador de Tekoá Itakupé, ele cobra melhorias de energia elétrica e saneamento básico na região.

PICO DO JARAGUÁ

As estimativas indicam que cerca de 900 pessoas residem nas seis aldeias espalhadas pelo Jaraguá, que são consideradas de fácil acesso pela proximidade das bases do IBGE e pelo diálogo com os representantes dos povos tradicionais. Nos próximos dias, o Censo da população será destinado não só a lideranças, como a outros moradores da comunidade, a exemplo de Daniel. Avançará também por cada vez mais aldeias do País, o que possibilitará a coleta de dados dos povos originários e, posteriormente, o planejamento de políticas públicas.


Questionário aprimorado —
  Luciano Duarte, responsável pelo projeto técnico do Censo Demográfico, explica que os questionários direcionados à população indígena foram melhorados para aplicação neste ano. O objetivo é abarcar as diversidades encontradas nas aldeias pelo País e aumentar a efetividade das perguntas. “O questionário para as lideranças busca entender algumas características de cada aldeia e comunidade indígena”, diz, referindo-se às perguntas direcionadas a Tamikuã durante a primeira visita. “E temos algumas perguntas específicas para as pessoas que se declaram indígenas ou aquelas que residem dentro de área indígena”, continua o pesquisador. Neste último caso, todas as pessoas que moram em comunidades indígenas e/ou se autodeclaram indígenas são afetadas.

Censo de 2022 tem ‘detalhamento mais rebuscado’ na comparação com a edição de 2010, diz responsável pelo projeto técnico Foto: Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo – 10/08/22

“Além das perguntas estruturais dos questionários, que são sexo, idade e características básicas, a gente agora tem essas perguntas específicas, que abordam língua falada e a etnia dessas populações”, afirma Duarte, que ressalta: uma das novidades deste ano é que os respondentes indígenas podem assinalar até três opções de língua falada. “É um detalhamento mais rebuscado em relação ao que foi feito no Censo de 2010.”

Para possibilitar essa abordagem, o responsável técnico pelo Censo explica que, além de estudos sobre as comunidades indígenas conduzidos de forma prévia, neste ano cerca de 10% dos cerca de 183 mil recenseadores passaram um dia inteiro em treinamentos específicos. Na edição de 2010, isso não ocorreu – foi divulgada apenas uma cartilha para abordagem dos povos originários. Também não foi feita distinção de comunidades quilombolas, outra novidade para este ano.

“É um momento simbólico, importante para a construção da realidade dessa população no País”, explica Duarte. A conclusão das visitas depende das complexidades encontradas nas aldeias. A expectativa, ainda assim, é consolidar os dados ao longo do próximo ano. “A ideia é não somente contar os indígenas, mas já caracterizar toda a população em território nacional.”

Centro cultural da aldeia Tekoá Itakupé conta com pinturas em alusão à fauna e à flora da região do Jaraguá Foto: Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo – 10/08/22


Perguntas que fazem sentido —
A geógrafa Daiane Ciriáco, que faz parte do grupo de trabalho de povos e comunidades tradicionais do IBGE, chama a atenção para um ponto importante: neste ano, o Censo destinado à população indígena traz adaptações na forma como as perguntas são feitas. Como exemplo, cita uma alteração no conceito de domicílio.

“A diversidade dos grupos indígenas é muito grande e o conceito de domicílio do IBGE, que deve ter parede, por exemplo, para se considerar um domicílio fora das áreas indígenas, dentro de terras indígenas, isso pode não fazer sentido. Então, nas áreas indígenas a gente considera o domicílio mesmo que não tenha parede. É uma adaptação do questionário”, explica a geógrafa.

Outra diferença está na pergunta sobre religião. “Em outros lugares a pergunta é ‘Qual é sua religião ou culto?’. Nas áreas indígenas, a pergunta é: ‘Qual é o seu culto, ritual indígena ou religião?’. Porque a gente entende que, a partir dessa pergunta, eles tendem a declarar suas religiões tradicionais”, disse ainda. “Muitas vezes, o entendimento do que é religiosidade é diferente nesses grupos.”

Para o Censo da população indígena deste ano, além de um mapeamento das condições de vida nas aldeias feito a partir de 2016, foram firmados acordos de cooperação técnica com a Fundação Nacional do Índio (Funai) e com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Uma das novidades é a “sala de situação” permanente, que permitirá a atualização contínua da avaliação de segurança nas áreas de conflito.

BRASIL INDÍGENA E QUILOMBOLA

Na estimativa do IBGE, que faz uma projeção a partir das informações do último censo feito no Brasil (2010), existiam no Brasil, em 2019, 7.103 localidades indígenas e 5.972 localidades quilombolas. Para ter uma ideia, na contagem de 2010 o número de localidades indígenas era 1.856.