Indulto natalino de Bolsonaro livra PMs do massacre do Carandiru; para juristas, ‘é um escárnio’

Detentos expõem faixa contra o massacre em janela da Casa de Detenção do Carandiru. Para conter uma rebelião que do pavilhão 9, a Tropa de Choque comandada pelo coronel Ubiratan Guimarães invadiu o presídio e matou 111 presos no dia 2 de outubro de 2022. FOTO: EPITÁCIO PESSOA/ESTADÃO CONTEÚDO

23/12/2022 - Tempo de leitura: 3 minutos, 12 segundos
Com reportagem de Pepita Ortega, O Estado de S. Paulo

A defesa diz que deve entrar ainda hoje, no plantão judiciário do Tribunal de Justiça de São Paulo, com um pedido de declaração de extinção de punibilidade dos réus – ou seja, para que os PMs não possam ser punidos pelas condutas ligadas ao massacre.

No Ministério Público de São Paulo a avaliação também é a de que o indulto de Bolsonaro, nos termos em que foi publicado, beneficia os 74 PMs condenados pelo Tribunal do Júri a penas que vão de 48 anos a 624 anos de prisão pelo assassinato dos presos. Nos bastidores da Promotoria, comenta-se que um dos artigos do decreto de Bolsonaro parece ter sido feito para o caso dos policiais condenados pelo Carandiru.

Por outro lado, também entre os promotores, discute-se que o texto assinado por Bolsonaro pode ser questionado do ponto de vista constitucional. O Supremo Tribunal Federal já discutiu validade de indulto natalino presidencial – o editado pelo ex-presidente Michel Temer em 2017.

O trecho do decreto de Bolsonaro que, segundo a defesa dos PMs, se enquadra perfeitamente às condenações pelo massacre do Carandiru registra: “Será concedido indulto natalino também aos agentes públicos que integram os órgãos de segurança pública e que, no exercício da sua função ou em decorrência dela, tenham sido condenados, ainda que provisoriamente, por fato praticado há mais de trinta anos, contados da data de publicação deste Decreto, e não considerado hediondo no momento de sua prática”.

Ainda de acordo com o decreto, o indulto se aplica ‘às pessoas que, no momento do fato, integravam os órgãos de segurança pública, na qualidade de agentes públicos’.

O Massacre do Candiru completou 30 anos no dia 2 de outubro deste ano, sendo abarcado pelo decreto. Além disso, o crime de homicídio, pelo qual os policiais militares foram condenados, só entrou no rol de crimes hediondos em 1994 — ou seja, também dentro dos parâmetros do documento assinado por Bolsonaro.

A possibilidade de Bolsonaro indultar os PMs envolvidos no massacre do Carandiru já era um ponto de atenção dentro da Promotoria desde o dia 17 de novembro, quando o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, reconheceu o trânsito em julgado de decisões que mantiveram a sentença do Superior Tribunal de Justiça que restabeleceu as condenações dos PMs.

O certificado expedido por Barroso significa que as condenações dos PMs são definitivas, ou seja, eles não podem ser mais absolvidos. Ainda está pendente de discussão do Tribunal de Justiça de São Paulo pedido para reduzir as penas dos réus. O julgamento sobre a dosimetria das penas foi suspenso no final de novembro, após pedido de vista do desembargador Edson Aparecido Brandão, da 4.ª Câmara Criminal da Corte paulista.

JURISTAS CRITICAM: ‘É UM ESCÁRNIO’

Embora sejam reticentes quanto à constitucionalidade da medida, juristas ouvidos pelo repórter Leon Ferrari, do Estadão, questionam efeitos sociais de perdão a envolvidos em um evento de grande dimensão humanitária e relevância. “Quando o indulto é utilizado para acabar com a responsabilização de agentes do Estado por algo que está claro e decidido em último instância que foi um massacre, que foi intencional, foram homicídios, ele perde completamente a função para a qual foi criado. A gente tem historicamente nesse caso do Carandiru um problema de falta de responsabilização estatal grave. É muito problemático. É um escárnio o que faz o presidente Bolsonaro”, avalia Luisa Ferreira, professora da FGV-SP e Pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre o Crime e a Pena. Leia a reportagem completa no Estadão.