Água da Lagoa da Tijuca alagando ruas e entrando nas casas. Isso é rotina em Rio das Pedras, bairro na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Da última vez que o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística passou por lá foi em 2010, quando a região tinha 63 mil moradores.
Separadas pelo rio das Pedras, que nasce na floresta da Tijuca, as comunidades Areal e Areinha foram erguidas em terrenos pantanosos e são as mais sensíveis. Seus habitantes pautam o dia a dia no movimento das marés. Eles dizem que o problema existe há mais de cinco anos e que tiveram de se “acostumar” a driblar os alagamentos.
Jheiciane Silva, de 27 anos, é dona de um salão de beleza em Areinha. Não é raro ter de desmarcar atendimentos e deixar seu comércio fechado para evitar o contágio com doenças. A empreendedora afirma ainda que não precisa de chuva para que a rua alague, pois já se tornou corriqueiro observar a água subir junto com o nível da Lagoa da Tijuca.
COMO SURGIU A COMUNIDADE RIO DAS PEDRAS
‘Localizada na Zona Oeste do Rio de Janeiro, Rio das Pedras surgiu na década de 1950, como morada de retirantes nordestinos que chegavam ao Rio e encontravam no crescimento da Barra da Tijuca oportunidades de emprego. A área pantanosa que também continha muitos areais foi sendo aterrada pelos próximos moradores. Aliás, sem ajuda de governos, a construção própria de quem viveu e vive lá é a marca mais importante da história do Rio das Pedras. Fora as eleições, o Poder Público nunca deu atenção para a comunidade’ (Excerto do verbete ‘Rio das Pedras’ no site do Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (Nephu) da Universidade Federal Fluminense (UFF))
Moradora do Areal, a dona de casa Vilma Carvalho, de 35 anos, está habituada a desmarcar compromissos não essenciais. Para levar seus três filhos de 1, 6 e 7 anos à escola, diz que precisa de ajuda do marido. Os pequenos precisam ir no colo.
Além de todos os transtornos causados pelos alagamentos frequentes, moradores dizem que suas residências perderam o valor. O barbeiro Rony Ribeiro, de 32 anos, que também tem de levar sua menina de 7 anos no colo quando as ruas alagam, quer se mudar. Mas para isso precisa vender o imóvel em que mora no Areinha. “Fico sem saída, o jeito é continuar morando aqui. Essa semana eu escorreguei com ela, até machuquei meu braço em uma quina de parede com chapisco de cimento”, conta Ribeiro.
Possíveis soluções — O geógrafo Adão Osdayan Cândido defendeu na UFF uma tese sobre os impactos da urbanização na bacia hidrográfica do Rio das Pedras. “Antes da ocupação, essa área era uma continuidade da lagoa, onde existia uma vegetação predominantemente de taboas, que ocupam áreas pantanosas. A dinâmica de marés, de entrada e de saída de água pela Lagoa da Tijuca, sempre esteve nessa área”, diz o especialista. “O processo de urbanização, de ocupação desse local, não obedeceu nenhuma característica natural, e de fato quando a maré sobe isso acaba prejudicando a drenagem e o esgotamento sanitário e, consequentemente, traz danos aos moradores”, completa.
O geógrafo afirma que o problema dos alagamentos na região é crônico e precisa ser resolvido com planejamento por parte do poder público. O primeiro desafio a superar é o saneamento básico, que o Estado tem de oferecer. “Uma obra de urbanização, de drenagem, começa na construção de um sistema de esgotamento sanitário para que o esgoto seja coletado e tratado antes de ser lançado na lagoa”, avalia Cândido. E acrescenta: é preciso fazer a desobstrução do Rio das Pedras, sua dragagem e a ampliação de sua capacidade e da lagoa.
Para Adacto Ottoni, professor do departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o problema pode ser resolvido, se houver vontade política. “Uma primeira solução seria tirar a população dessas áreas de risco de inundações, indenizando-as, e cobrindo as faixas marginais de proteção do rio com vegetação ciliar”, diz Ottoni. “Deve ser implantado o Sistema Separador Absoluto de Esgotos, coletando os esgotos das casas da comunidade e encaminhando-os para o sistema sanitário existente do Emissário Submarino da Barra da Tijuca.”
Outro lado — A reportagem entrou em contato com a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro através da Subprefeitura de Jacarepaguá. O órgão disse que o local foi ocupado sem qualquer orientação técnica ou anuência do poder público, mas ações foram feitas para amenizar os problemas enfrentados pelos moradores, mas não indicou políticas públicas para resolver a situação de forma definitiva.
A Fundação Rio-Águas, empresa responsável pelo trabalho técnico na região, afirmou que o processo enfrentado pelos moradores é um ‘fenômeno natural do mar’ devido às condições geográficas da região. Questionada sobre a previsão de finalização da limpeza do Rio das Pedras, e se o trabalho de limpeza e desassoreamento do rio pode ajudar a amenizar o problema, a fundação informou apenas que “uma equipe da Rio-Águas tem atuado no canal com equipamentos, há cerca de dois meses.”