Na rede pública de saúde falta até remédio para febre

Rede pública de saúde está desabastecida. Faltam até remédios para dor e febre. Foto ilustrativa: Getty Images

17/08/2022 - Tempo de leitura: 3 minutos, 15 segundos
Com reportagem de Cristiane Segatto, O Estado de S. Paulo

A falta de remédios e outros insumos, relatada por prefeituras e hospitais públicos e privados no último mês, demonstra que a crise de abastecimento deflagrada pela covid-19 em 2020 está longe de ser vencida.

Na Santa Casa de Santos, por exemplo, a escassez de contraste iodado prejudicou em julho pacientes que precisavam realizar tomografias, cateterismo cardíaco e outros procedimentos. Sem conseguir fornecedores, a instituição chegou a cancelar exames e adiar cirurgias.

“Por causa do estoque baixo, decidimos atender apenas as emergências. Pacientes com infarto, AVC e outros problemas que precisam desse material”, disse, no fim de julho, o médico Alex Macedo, diretor técnico da instituição. Segundo Macedo, esse é um problema mundial e a crise do abastecimento afeta hospitais de todo o Brasil. “As poucas fábricas de contraste iodado, na China, na Índia e no Leste Europeu, não estão conseguindo suprir a demanda global”, explica. “Estamos remarcando os agendamentos dos pacientes para daqui a um mês ou mais”, diz.

‘FALTA O BÁSICO’

Gestores afirmam que os preços seguem em alta e apontam dificuldades de aquisição de produtos básicos como o analgésico dipirona injetável e soro fisiológico. Em junho, a Santa Casa de São Paulo, ficou sem dipirona e precisou substituí-la por ibuprofeno para não prejudicar o atendimento dos pacientes. Manter o abastecimento de soro fisiológico é uma das preocupações do médico Rogério Pecchini, diretor de Operações em Saúde da Santa Casa de São Paulo.

“É impossível pensar na atividade hospitalar sem soro fisiológico, mas está difícil comprar”, conta Pecchini. “A embalagem do soro é feita de derivado do petróleo; o mundo ainda não se recuperou da pandemia e a logística mundial de suprimentos está afetada pela guerra da Ucrânia”, afirma.

Levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), de junho, mostra que oito a cada dez municípios do País relataram desabastecimento. A pesquisa foi feita com 2.469 prefeituras. Havia falta de antibiótico, usado contra infecções, e até de remédio para a febre

PREÇOS INFLACIONADOS

A interrupção das cadeias de produção e distribuição de medicamentos e insumos de uso hospitalar inflaciona os preços desde o início da pandemia. Um estudo feito em grandes hospitais revela o impacto da covid-19 nos custos de saúde ao investigar as compras feitas por hospitais públicos brasileiros. Os resultados da pesquisa apontam altas de 524% nos valores de materiais e de 409% nos de medicamentos usados por hospitais gerais do Sistema Único de Saúde (SUS), em diferentes Estados.

O índice de preços da cesta de medicamentos hospitalares analisada apresentou aumento de 97,49% no período de fevereiro de 2020 a junho de 2021, segundo estudo do Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (Ibross), em parceria com a consultoria GO Associados. No caso dos materiais médico-hospitalares, o índice de preços registrou alta de 161 14% entre fevereiro de 2020 e abril de 2021.

O Ibross representa 21 organizações sociais que mantêm contratos de gestão com Estados e municípios. Entre elas, as responsáveis pela administração do Hospital São Paulo (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina), do Hospital Municipal Vila Santa Catarina (Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein), do Hospital Geral do Grajaú (Instituto de Responsabilidade Social Sírio-Libanês) etc.

A pesquisa abrangeu todas as filiadas do Ibross que administram hospitais gerais no Brasil. Mais de 66 mil compras de medicamentos e 36 mil aquisições de materiais foram consideradas. Os pesquisadores analisaram 76 tipos de medicações e 45 materiais médico-hospitalares, como aventais, cateteres, máscaras descartáveis, luvas e seringas. “Esse trabalho materializa as dificuldades ocorridas na vida real dos hospitais”, diz Flávio Deulefeu, presidente do Ibross.