No Oiapoque, médica indígena é referência na comunidade

Yara trabalha no Hospital Estadual de Oiapoque (AP) e atende principalmente pacientes indígenas. “Tenho um público indígena grande, que me acolhe e me vê como alguém para quem podem pedir ajuda. Sabem que, mais do que médica, os trato como família”, afirma. Foto: arquivo pessoal

20/10/2021 - Tempo de leitura: 2 minutos, 31 segundos

“Me dê licença com o seu preconceito que meu cocar vai passar”, é assim que a médica indígena Yara Ayllyn, de 33 anos, costuma falar quando entra em algum espaço onde percebe olhares estranhos e comentários ruins. Ela pertence à etnia Karipuna, localizada no extremo norte da região de Oiapoque, no estado do Amapá. De pai cacique e mãe paraense, cresceu na aldeia vendo os costumes tradicionais da família. Sua avó era benzedeira e fazia partos, isso a despertou para estudar medicina. “Na aldeia, temos o conhecimento das ervas, a ciência nas mãos, e assim curamos muitos de nós, indígenas”, diz.

Yara cursou o fundamental junto a seu povo até a quarta série, concluiu o ensino médio na cidade e passou no processo seletivo para povos indígenas da Universidade Federal do Pará (UFPA), em 2012. Foram seis anos de “muito estudo, sofrimento e aprendizado”.

A médica lembra que os aprovados naquele vestibular foram chamados de “projeto piloto”, porque formavam um grupo pré-selecionado à qualificação profissional de indígenas. Tudo era novo para ela, já que “ninguém sabia se íamos dar certo”, diz.

Na faculdade, longe da terra natal, Yara teve auxílio psicológico e participou de rodas de conversa e de reuniões com o apoio do corpo acadêmico da instituição. “O indígena entra na universidade com vários problemas, como dificuldade de se comunicar, relacionar em grupo e de expor suas hesitações”, conta a médica. Outro desafio foi distância da família. “Na época dos estudos, já tinha filhos e marido, além de uma casa para cuidar. Essa é a realidade de muitos de nós, e não temos o hábito de nos separar.”

Medicina e saúde indígena

Yara é clínica geral no Hospital Estadual de Oiapoque (AP) e atende principalmente  pacientes indígenas. “Tenho um público indígena grande, que me acolhe e me vê como alguém para quem podem pedir ajuda. Sabem que, mais do que médica, os trato como família”, afirma. Mas não é fácil. A sociedade, na avaliação de Yara, ainda precisa respeitar e conhecer melhor a realidade — ela já ouviu de uma colega de profissão a seguinte frase: “Você não é médica de índio”, por causa da atenção que dá aos pacientes indígenas. Ainda assim, Yara percebe e celebra o aumento de profissionais indígenas áreas comom enfermaria, odontologia e setores educacionais. “Hoje, nós ocupamos mais espaços nas universidades e isso mudará o nosso amanhã”, diz a médica.

INDÍGENAS NO AMAPÁ  
+ de 10 mil habitantes
9 etnias
Oiapoque: 5.802
Parque do Tumucumaque: 3.043 
Pedra Branca do Amapari: 1.220
Fonte: Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas do Amapá

INDÍGENAS NA UNIVERSIDADE
57,7 mil alunos
Cursos com maior presença
Direito (5.509)
Pedagogia (5.064)
Administração (3.189)
Enfermagem (3.160)
Engenharia Civil (2.074)
Fonte: Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), de 2018