Pandemia afeta trabalho e saúde mental dos professores

Estudantes com máscara de proteção acompanham a disciplina em sala de aula da Escola Estadual Elisa Rachel, na Rua Darcy Mano, 97, Vila Odete, extremo da zona leste, conhecida como a antiga escola da Vila Chabilândia. Foto: Tiago Queiroz/Agência Estado
Bruno Pavan e Vanessa Ramos
18/10/2021 - Tempo de leitura: 5 minutos, 47 segundos

Desde o início da pandemia de coronavírus no Brasil, professores e profissionais da educação vivem momentos de incerteza, medo e problemas de saúde mental. Na periferia, a situação é mais grave. O Expresso na Perifa ouviu educadores da cidade de São Paulo a respeito dos últimos meses, quase dois anos. Crises de ansiedade e evasão escolar são alguns dos impactos da pandemia na educação no Brasil.

EM SÃO PAULO, TEMOS…

  • 150,3 mil professores na rede pública municipal da capital paulista
  • 545 mil professores na rede estadual

Emerson de Oliveira Souza é professor de Sociologia de uma escola estadual no distrito de Cidade Tiradentes, a 42 quilômetros do centro da capital paulista. A região tem quase 230 mil habitantes. Doutorando na Universidade de São Paulo e dos pouquíssimos professores indígenas [etnia Guarani Nhandeva] da periferia da cidade, ele destaca a sobrecarga de trabalho, o estresse e a falta de recursos para aulas remotas entre os principais problemas enfrentados na pandemia.

“Este período faz pensar o quanto a escola e o modelo de aulas presenciais é importante na vida dos alunos. Talvez a maior dificuldade tenha sido a desigualdade social marcada pela distância que escolas, alunos e professores ainda têm das questões tecnológicas”, afirma Emerson. E acrescenta a falta de estrutura adequada e de incentivo aos professores que se desdobraram na jornada de trabalho. “Além de trabalhar em casa, trabalhamos em horários diversos, até aos finais de semana, tanto atendendo alunos quanto em busca daqueles que perderam contato com escolas que foram fechadas.”

Internet ruim e evasão escolar

A realidade retratada por Emerson reflete a de outras regiões periféricas. Uma das queixas mais frequentes é a qualidade do sinal da internet nos locais mais afastados. No bairro de Riacho Grande, em São Bernardo do Campo, Jerônimo Aparecido Ferreira dá aulas de Língua Portuguesa e Inglesa para alunos das séries finais e adultos. Ele reforça que, mesmo com os chips entregues pelo governo de São Paulo, a cobertura ruim na região aumentou a evasão dos alunos na pandemia. “Minha principal dificuldade passa pela ausência de investimento na melhoria do sinal de internet, que é muito ruim. Eu até tenho o hábito de usar a tecnologia nas aulas, mas a qualidade da rede fez com que muitos alunos se evadissem”, lamenta.

Em abril de 2021, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou integralmente o projeto de Lei nº 3.477, de 2020, que visava distribuir R$ 3,5 bilhões para que estados e municípios investissem na garantia de internet à rede pública de ensino.

Saúde mental

A revista Nova Escola realizou pesquisas em 2020 e 2021 para entender como a pandemia afetou a saúde mental dos docentes. Ainda que o estudo tenha apresentado resultados positivos em alguns aspectos, 72% dos professores apontaram que não tiveram qualquer apoio psicológico para cuidar da saúde mental.

Professora da Universidade Estadual de Maringá e diretora da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (Abrapee), Marilda Facci aponta que o número de professores com queixas sobre a saúde mental vem aumentando há vários anos por causa da precarização do trabalho — e menos por problemas pessoais. “Muitos deles, mesmo se queixando, não pensam em mudar de profissão”, diz.

O governo do estado de São Paulo tem, desde fevereiro de 2021, o projeto Psicólogos na Educação. O objetivo é melhorar a convivência entre alunos, professores e outros profissionais no ambiente escolar — em teoria, funciona assim: os psicólogos acompanham as pessoas dentro das escolas e encaminham para o atendimento clínico no sistema de saúde.

Sequelas de covid-19

Professora da zona norte de São Paulo, que pediu anonimato, conta que sequelas da covid-19, uma doença pulmonar e a realidade atual prejudicam sua saúde mental. “Tive pulmão comprometido, o que piorou minha respiração. As crises de ansiedade pioraram. Como a maioria dos professores, faço tratamento psiquiátrico, mas ninguém conta isso para não perder o emprego ou ser afastado”, comenta.

Outro ponto levantado pela professora é a desigualdade de cobertura e atendimento dos convênios médicos — o governo estadual oferece planos diferentes para cada profissional da educação. Ela diz que se for titular ou da categoria F tem direito a um cuidado distinto do que é ofertado à categoria O. “Os temporários recebem tratamento diferente. E isso é uma opção, porque existem prefeituras que tratam todos os professores com direitos iguais, sem distinção no atendimento à saúde”, emenda.

Questionada sobre a situação apresentada pela professora, a Secretaria Estadual de Educação confirmou o atendimento aos professores efetivos via convênio com o Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual de São Paulo (Iamspe), mas não comentou sobre a ausência de atendimento médico aos professores temporários (categoria O) que atuam na rede estadual de São Paulo.

Retorno presencial obrigatório

A partir desta segunda, 18 de outubro, as aulas presenciais são obrigatórias na rede pública estadual da São Paulo. No município, escolas que ainda não estão preparadas continuam no rodízio, mas, dentro do revezamento, as turmas que estão no presencial não terão a opção de estudar em casa. Desigualdades de acesso evidenciadas e perdas sociais enormes desafiam ainda mais os educadores. Seu papel no retorno dos alunos à sala de aula se torna mais importante do que sempre foi.

“Vamos lidar com a tristeza e com o luto”, diz Marilda Facci. “Todo mundo que perdeu alguém: um amigo próximo, um padrinho, um avô, uma avó, um tio, uma mãe ou um pai. A gente vai ter várias dificuldades para lidar agora.”

Será preciso, especialmente em regiões periféricas, tentar recuperar ao menos um ano e meio de aprendizado, acrescenta o professor Emerson Souza. Os alunos menos assistidos não podem ficar para trás. “Embora a gente esteja fazendo de tudo para dar as orientações didáticas aos alunos, essa distância foi um problema. Existem até hoje muitos alunos fora da escola, que não retornaram.”

Além da questão pedagógica e da valorização salarial, Emerson também comenta que existe um ambiente de instabilidade agravado pela pandemia, que seguirá como desafio futuro. “Precisaremos entender os impactos da pandemia na vida dos alunos e das famílias. Os professores estão inseguros. Perdemos há pouco tempo um professor de Filosofia por covid-19, que havia acabado de se transferir de nossa escola, onde ele fez carreira na profissão por anos. Com todas essas realidades próximas, existe muito estresse e confusão, um ambiente de tensão que envolve professores, alunos, pais e mães. É nesse universo de inseguranças e crises que retornamos à escola”, conclui.