Professora aposentada cria cosméticos para mulheres negras

'Somos uma população grande e com diferentes tons. O mercado produtor tem que ter o olhar para essas mulheres que consomem os produtos, aliás não somos nem tratadas como consumidoras', diz a empresária Maria de Fátima, fundadora da Pantera Negra. Foto: Reprodução

19/10/2021 - Tempo de leitura: 3 minutos, 51 segundos

Moradora da Vila Diva, periferia na zona leste de São Paulo, Maria de Fátima Gonçalves Martinazzo tem 65 anos e foi professora da rede pública por quatro décadas. As disciplinas de matemática, química e física não faziam sucesso entre as turmas. “Sabendo da falta de ‘ibope’ em minhas aulas, procurei inovar, ou seja, trazer o gosto dos alunos às ciências”, diz. Assim, com o envolvimento direto dos estudantes, começaram a ser feitos em sala xampus, sabonetes e perfumes.

Nos trabalhos, era possível enxergar na prática os conceitos das disciplinas. “Um sucesso, pois todos queriam aprender a fazer. Tinha a garantia do aprendizado e a participação maciça dos alunos”, comenta Fátima.

Os cosméticos também agradaram funcionários das escolas. Quem recebia algum perfume ou creme feito por Fátima costumava dizer que, se ela vendesse, eles comprariam, porque tinham percebido melhora na pele e outros benefícios.

Com a ideia dos amigos, a professora começou a vender os primeiros itens do que hoje é a linha Pantera Negra Cosméticos — o nome foi inspirado no grupo Panteras Negras, que nos Estados Unidos formou um partido político em defesa da comunidade afro-americana, em 1966. Fátima deu entrada em sua aposentadoria como professora e, enquanto isso, busca o registro oficial da empresa, a compra de maquinário e a criação do logotipo da marca.

Somos uma população grande e com diferentes tons. O mercado produtor tem de ter o olhar para essas mulheres que consomem os produtos. Aliás, não somos nem tratadas como consumidoras

Para a empresária, o foco maior dos produtos está nas especificidades das mulheres negras. “Somos uma população grande e com diferentes tons. O mercado produtor tem de ter o olhar para essas mulheres que consomem os produtos. Aliás, não somos nem tratadas como consumidoras”, afirma. E ressalta: a maior parte das clientes compram produtos para uso próprio, porque as famílias negras não encontram empresas que atendam sua população com qualidade. “Onde estão as empresas para esse mercado? Por que isso acontece? Não fazemos parte das diretorias e as que fazem têm participação muito discreta”, comenta. “Se tem algum executivo, vira notícia. De tão difícil que é, vira acontecimento.”

Onde estão as empresas para esse mercado? Por que isso acontece? Não fazemos parte das diretorias e as que fazem têm participação muito discreta. Se tem algum executivo, vira notícia. De tão difícil que é, vira acontecimento

Fátima já levou os produtos a outras periferias da capital paulista, como os bairros de Capão Redondo, Cidade Tiradentes, São Miguel Paulista, além das maiores favelas da cidade, como Paraisópolis e Heliópolis. “As mulheres se encantam”, conta a empresária. “Assim, a Pantera Negra Cosméticos não leva apenas um produto para ser consumido, mas queremos levar esperança, auto-estima e o conforto íntimo para cada uma delas, que sonham com um futuro melhor para elas e seus filhos.”

‘Mais que uma marca’

“Quando falo de Pantera Negra Cosméticos não estou me referindo apenas a uma marca de cosméticos. Estamos nos referindo à luta de famílias inteiras que, diante da adversidade, se superam, formam os filhos e resistem a todos os tipos de ataques sem se deixar abater”, diz Fátima. “São mulheres que saem de suas casas na madrugada em busca de trabalho e que deixam seus filhos em casa sendo olhados por vizinhos, mas que não desistem. Nem dos filhos e nem dos sonhos.”

Fátima afirma ainda que a luta dos negros nos Estados Unidos não é diferente da dos movimentos negros brasileiros, já que ambos buscam a igualdade racial. Por outro lado, diz, no Brasil existe o mito da democracia racial e o racismo se esconde sob várias alegações, como o argumento de que os negros não são aptos a determinadas funções ou lugares.

De olho no futuro

Além de resolver as questões burocráticas de sua empresa, a professora e empreendedora Fátima mira no futuro e pensa em um projeto social. “Queremos incentivar a escolaridade, pois isso é importantíssimo. A ideia é que a cada compra de produto, apliquemos em uma área social para que outras famílias tenham acessem educação, trabalho e moradia.

“É um projeto e mais um sonho. Para muitos, é mais um atrevimento meu, mas minha vida só foi por atrevimentos e não por caminhos suaves.”