Falar sobre aquilo que os livros da escola deixaram de nos dizer. Narrar “o que talvez você ainda não tenha ouvido, lido ou visto.” Esse é o mote do Projeto Querino, que se propõe a contar a história afrocentrada do Brasil. Idealizado pelo jornalista Tiago Rogero e amparado numa extensa e aprofundada pesquisa, a iniciativa é composta por um podcast narrativo e reportagens que abordam o protagonismo e a contribuição da população negra na formação do Brasil.
O programa em áudio tem oito episódios que tiram do silêncio personagens, fatos e vozes negras. Encaixam-se no quebra-cabeça da história a importância da população trazida ao País para ser escravizada — sua cultura, seus conhecimentos, seus gestos — e também a ambição política desmedida que constitui a opressão imposta aos escravizados e o concreto das estruturas em que se ergueu a sociedade racista.
Lançada nos 200 anos da independência do País, completados neste 2022, a produção da Rádio Novelo tem a parceria do Instituto Ibirapitanga e conta, ainda, com reportagens na revista Piauí e no site do projeto.
A série em áudio aborda a questão racial em temas como independência, abolição, riqueza, mundo do trabalho, religiosidade e democracia. Tiago Rogero destaca o olhar afrocentrado do projeto. “Pensamos em mostrar uma versão mais completa da história, ignorada pela versão oficial. Mostrar a participação das pessoas negras nos principais momentos da história do Brasil e também a participação das pessoas brancas nesse processo de um ponto de vista que geralmente não é lembrado.”
Pensamos em mostrar uma versão mais completa da história, ignorada pela versão oficial. Mostrar a participação das pessoas negras nos principais momentos da história do Brasil e também a participação das pessoas brancas nesse processo de um ponto de vista que geralmente não é lembrado (Tiago Rogero, do Projeto Querino)
O jornalista traz como exemplo os mais de 300 anos de escravização. “A gente sabe que a escravidão no Brasil foi uma das últimas a terminar no mundo, a última das Américas. Uma de nossas preocupações é mostrar porque ela demorou tanto para terminar, quem foram as pessoas que impediram que a abolição acontecesse no Brasil quando ela já vinha acontecendo em vários lugares do mundo? Era uma classe política dominante.”
O projeto é permeado de respostas a perguntas fundamentais. “Quem foram as pessoas que desvirtuaram uma lei aprovada em 1831 para proibir o tráfico de escravizados, num grande esquema de corrupção que envolveu o Império, a classe política e os proprietários? Quem foram as pessoas que transformaram ela em uma lei ‘para inglês ver’?’”, detalha Rogero. “Coisas ruins feitas pela elite brasileira fizeram com que a gente chegasse a esse ponto em que a gente vive um país profundamente desigual, muito racista, com mais de 30 milhões de pessoas passando fome”, afirma.
Narrar a forma com que o sistema político — defensor dos interesses da elite escravista — prejudicou a população negra é um dos principais objetivos do trabalho, porque, como lembra o autor, “a história de todo um período explica muito do Brasil de hoje”.
Desdobramentos — Rogero também está à frente dos podcasts Negra Voz e Vidas Negras. Como esses trabalhos se distinguem do Querino? “O Vidas Negras , por exemplo, é focado em trajetórias de pessoas, de personalidades. No Querino, que é voltado aos grandes acontecimentos, usamos também histórias humanas como recurso narrativo, mas para contar a macro-história. Ele envolveu mais gente e foram dois anos e oito meses de trabalho até lançarmos o podcast”, explica o autor.
De acordo com Rogero, a escolha narrativa foi pensada para chegar ao maior número de pessoas, em linguagem ampla e permeável a diferentes públicos. Está dando certo: em pouco mais de um mês do lançamento, já chegaram mensagens de professores de escolas públicas contando que usam o podcast do Projeto Querino em sala de aula.
Sobre a utilização do conteúdo como ferramenta em salas de aula, em consonância com a Lei 10.639, de 2003 — que trata da obrigatoriedade da inclusão da história e cultura afro-brasileira no currículo das escolas brasileiras —, Rogero afirma que existe a ideia de publicação de livros e também de desenvolvimento de projeto educacional. Recentemente, o jornalista foi convidado a participar de uma aula no curso de licenciatura em Ciências Sociais de uma universidade pública no Rio de Janeiro. Com os futuros professores de Sociologia, ele falou sobre o Projeto Querino e a possibilidade da utilização dos áudios junto aos estudantes.
TIAGO ROGERO INDICA LIVROS PARA AJUDAR A ENTENDER O BRASIL