Lembro dela [minha mãe] dizendo que “eu não deveria esperar nenhuma herança, como um carro ou uma casa, mas que a maior herança que ela poderia me deixar era o acesso a uma educação de qualidade”
Sou negra, mulher, nascida e criada no subúrbio do Rio. Filha de uma mãe muito batalhadora, que sempre deu duro para construir nossas vidas e me criar. Dinheiro sempre foi pauta dentro de casa e pude aprender cedo, com a minha mãe, que educação era a melhor e única maneira de alcançar estabilidade financeira. Lembro dela dizendo que “eu não deveria esperar nenhuma herança, como um carro ou uma casa, mas que a maior herança que ela poderia me deixar era o acesso a uma educação de qualidade”. E levei isso muito a sério.
Esses ensinamentos em casa foram, de certa forma, o berço para o meu desenvolvimento como estudante, já que me envolvi em diversos projetos extracurriculares, sempre com o objetivo de acessar mais e mais conhecimentos. A Barkus surgiu anos depois de um desses projetos. E sempre acreditei, de fato, que os direcionamentos da minha mãe foram o norte para que eu me transformasse na educadora e empreendedora que sou.
Meu intuito, desde que tive acesso a educação financeira na escola, era compartilhar com outras pessoas o que tinha transformado completamente a minha vida para melhor. Afinal, depois do meu primeiro emprego, sempre tive um controle razoável dos meus gastos, comecei a investir bastante cedo e tenho meu planejamento financeiro em dia. Tudo isso porque, mesmo tendo um histórico familiar humilde, tive acesso a esse tema ainda jovem.
Porém, quando decidi compartilhar sobre o tema com outras pessoas e abrir meu próprio negócio, me deparei com um mercado financeiro majoritariamente masculino, com poucas pessoas negras, muitos termos muito técnicos e pouca aproximação com o dia a dia da população. Comecei a entender o motivo de ser uma das poucas mulheres negras nesse espaço: as oportunidades desse ambiente são restritas. E a falta de representatividade só faz com que esses espaços permaneçam pouco diversos, afinal, quanto menor a identificação, menos a população vai buscar estar nesses lugares.
Foi nesse momento, já no fim da faculdade de Administração, que decidi ingressar em uma das maiores e mais deliciosas aventuras da minha vida: a pós-graduação em História e Cultura Africana e Afro-brasileira, pelo Instituto Pretos Novos, no Rio de Janeiro. Busquei conhecer mais das raízes do nosso país para, a partir disso, entender melhor as razões de tudo ser como é e, claro, propor soluções mais adequadas aos problemas do presente.
Encontrei mais do que eu esperava. Consegui me reconectar, inclusive, com as minhas próprias raízes. Descobri histórias, com H minúsculo, que mudaram a História, com H maiúsculo, e fizeram toda a diferença no rumo do nosso Brasil. Além disso, através do reconhecimento de conceitos e práticas africanas, pude encontrar um novo significado para educação financeira.
Educação financeira é sobre aprender a utilizar os serviços dos bancos e instituições financeiras da melhor maneira possível, levando em consideração os seus objetivos pessoais e familiares. Também é sobre aprender a multiplicar o seu dinheiro e manter o poder de compra na sua mão, se protegendo da inflação. É sobre ressignificar o dinheiro em nossas vidas e mudar nossa relação com ele, sem virar motivo de brigas e desafetos. Também é sobre conseguir criar um planejamento para alcançar seus objetivos de curto, médio e longo prazo, com constância e dignidade. Mas vai além, muito além disso.
Educação financeira é sobre compreender seu passado e equilibrar as escolhas do presente para, a partir disso, construir o seu futuro. Esse entendimento foi baseado em Sankofa, simbolizado por um pássaro que tem a sua cabeça voltada para trás (como se estivesse olhando para o passado) e seus pés voltados para frente (apontando para o futuro). Esse ideograma (imagem acima) é um adinkra, símbolo dos povos acãs, da África Ocidental.
Pode parecer abstrato, mas o significado do dinheiro em nossas vidas está diretamente relacionado às experiências que tivemos com nossos pais, avós, irmãos e amigos. Lembro que minha mãe sempre tinha um dinheirinho guardado, mesmo em tempos de crise, o que nos dava bastante segurança. Isso fez com que meu perfil de investimento, por exemplo, fosse bem mais conservador e que, mesmo em momentos de bonança, eu me preocupasse em continuar guardando dinheiro. O que você via, ouvia e presenciava em sua família sobre dinheiro, de uma forma ou de outra, impactou no jeito que você lida com sua própria vida financeira.
Além disso, não há planejamento bem estruturado sem um olhar para o passado. O passado nos ensina sobre o que deu certo e errado, o que nos motiva mais ou menos. Dificilmente, paramos para pensar na nossa trajetória, nos obstáculos que ultrapassamos, nas alegrias e tristezas da nossa vida. Normalmente, estamos sempre olhando para frente, para o que buscamos, ou presos nos problemas do presente. E quem não conhece as suas histórias (com H minúsculo e maiúsculo), costuma ter pouco entendimento sobre o hoje e menos recurso para lutar pelo seu amanhã.
Não há futuro sem um passado. E o presente é parte dessa construção. A ascensão financeira e social só acontece quando nós estamos conectados com quem somos e aonde queremos chegar. O dinheiro é o meio, mas não o fim. E educação financeira conecta tudo isso com a nossa ancestralidade.