‘Toda arte é um autorretrato em potencial. A criação é uma expressão do que sinto e quero contar a outra pessoa’, diz o artista visual Cauã Bertoldo
Reportagem de Riviane Lucena, Embarque no Direito, em São Paulo
Quando tinha 15 anos e buscava se profissionalizar em um curso técnico na Etec, Cauã Bertoldo percebeu a diferença gritante entre a própria realidade e a de outros estudantes que pertenciam à classe média. “Eu não tinha as mesmas condições que os filhinhos de papai, isso ficou muito forte pra mim”, diz. Morador do Jardim Varginha, no extremo sul de São Paulo, Cauã tem 25 anos e é artista visual. Em um trabalho recente, ilustrou o livro “Masculinidade Quebrada“, sobre um processo educativo com meninos periféricos, produzido pelo coletivo de mesmo nome.
Atento ao mundo, Cauã entendeu aos poucos os mecanismos de exclusão de tudo que não fazia parte do “padrão cultural ideal”. E começou a pensar em questões de classes sociais, raciais e de sexualidade que tinham a ver com ele. “Usei a arte para entender e lidar com isso. Meu trabalho sempre foi muito com autodescoberta. Como passar isso para o outro de forma empática”, completa.
Foi em desenhos de retratos renascentistas que começou a buscar a voz própria. “Toda arte é um autorretrato em potencial. A criação é uma expressão do que sinto e quero contar a outra pessoa. Se ver é muito importante, e se ver no outro gera empatia”, diz. Atualmente, Cauã tenta subverter a ideia padrão da estética do retrato, e prefere expressar o lado surreal das coisas.
Um exemplo do sentimento que deseja transmitir está na série de personagens “Fluds”, em que cria personagens com características de melancolia e introspecção contemplativa. “São criaturinhas que te afogam, a materialização das suas inquietações, o que pode também se tornar um convite ao autocuidado”, explica.
Aquarela, arte digital e grafite são técnicas usadas por Cauã em suas obras e as questões de raça, gênero e classe amarram esse falar da periferia e o que o artista considera fundamental: unir para resistir.
Autodidata e experimental, ele se afirma movido pela curiosidade. Ao se apropriar do grafite, por exemplo, quis dialogar com os seus. Quando se é negado um direito você se revolta, diz. O grafite é uma forma de falar dessa revolta. “A arte é uma coisa necessária para vida. Ela dignifica, expande conhecimento e sentimento. Ela é tão sobre a gente, porque é luta, autoafirmação e orgulho.”
A escrita também tem muita importância para Cauã, e ele a leva para o visual. Nas aulas extras que tomou com uma professora de sociologia chamada Isabela Morais, mergulhou nas palavras e passou a escrever poesias e contos para falar do que sentia ao ouvir Milton Nascimento, Juçara Marçal, Chico Buarque. “Eu não queria que as legendas roubassem a cena da pintura, mas descobri uma forma de usá-las como um complemento”, diz.
Depois de participar mostras de arte, ilustrar livros, dar aula e estudar, o desejo o artista visual Cauã Bertoldo é sobreviver à pandemia para poder realizar uma exposição solo de todo seu trabalho, viver do que ama fazer. E se manter são.