A cidade de São Paulo é atendida por uma frota de 15 mil ônibus e 1,2 mil linhas, mas algumas regiões simplesmente não têm transporte coletivo e os moradores precisam caminhar quilômetros até uma (primeira) condução
Reportagem de Juca Guimarães, em São Paulo. Colaborou Rebeca Motta, do coletivo Embarque no Direito
Os moradores do loteamento Três Cruzes, na zona norte de São Paulo, percorrem a pé cerca de cinco quilômetros até o começo da Vila Queiroz, outro bairro, para pegar os ônibus que levam a Santana, Belém e Tucuruvi. “É difícil, muitas vezes tem que pedir carona a quem passa de carro para chegar no ponto mais perto”, diz o vendedor Djalma Xavier Freire Júnior, 26 anos, que mora na região há dois anos.
A situação piora nos dias de chuva. “O sofrimento é muito grande. Não é uma caminhada curta, não. Quando o meu pai precisa fazer um exame médico, por exemplo, eu tenho que ir atrás de um carro”, conta Júnior. O vendedor relata que além dos moradores do Três Cruzes, a falta de de ônibus na região afeta também a rotina dos trabalhadores das empresas do bairro. “Tem uma fábrica de ferro e outras empresas grandes. O pessoal vem e volta tudo andando.”.
A falta de linhas de ônibus em bairros periféricos mais distantes afeta diretamente a vida de idosos, famílias com crianças pequenas, estudantes e trabalhadores. É uma realidade também na zona leste, entre a Cohab José Bonifácio e a Fundação Casa, perto de Guaianases. No extremo sul, os moradores reclamam da falta de linhas nos bairros do Jardim Marcelo e Vila Laranjeiras, já nas margens da represa
de Guarapiranga.
Na zona noroeste, na região do Jardim Anhanguera, os bairros da Vila Sulina e do Sol não têm ônibus. “As pessoas que moram lá têm que andar até a rodovia Anhanguera, atravessar todo o bairro, para pegar o ônibus”, diz Maria Aparecida dos Santos, 37 anos, produtora cultural.
Para o vereador Toninho Vespoli (PT), a falta de transparência sobre os mecanismos do transporte coletivo por ônibus na cidade de São Paulo favorece os empresários do setor, em detrimento da população que vive em bairros sem linhas. “Ano após ano, a prefeitura aumenta o repasse para as empresas, porém não há um interesse em divulgar as planilhas de gastos e lucros.”
Na avaliação de Glaucia Pereira, do instituto de pesquisa sobre mobilidade urbana Multiplicidade, a criação de novas linhas é lenta e não acompanha a necessidade, principalmente em novos loteamentos nas periferias. “A
prefeitura tem dificuldade de promover uma participação social efetiva nas subprefeituras. O modelo ideal envolveria ouvir a população e logo criar linhas de ônibus com capacidade e horários adequados.”
O debate sobre avanços no setor de transporte público está atrasado e sofre com a cartelização promovida por empresários, afirma o coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Calabria. “Muitas vezes, eles dominam toda a estrutura do setor. São donos das
garagens e das empresas que fabricam os ônibus e isso dá um controle muito grande na pressão para determinar o custo do sistema. Existem propostas, por exemplo, para municipalizar as garagens e com isso aumentar a competitividade com novos empresários”, diz Calabria.
Em São Paulo, 12,8% das linhas de ônibus não operam aos sábados e domingos Um levantamento feito pelo Expresso na Perifa por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e com base nos dados da SPTrans, mostra que 163 das 1.268 linhas não operam aos finais de semana.
A região com maior percentual de linhas inativas é a zona sul (18%). As periferias são as mais afetadas. “O planejamento de transporte foi e ainda é voltado para levar trabalhadores aos locais de trabalho”, diz Glaucia Pereira, especialista em mobilidade urbana. “A Pesquisa Origem Destino, principal fonte de dados do planejamento de transportes na região metropolitana, desde 1967, só coleta dados de viagens realizadas de segunda à sexta-feira. Isso faz com que o sistema não atenda às necessidades da população em termos de horários e territórios, como ir ao bairro vizinho ou fazer atividades de lazer DICA se precisar de ônibus no fim de semana, consulte a ferramenta Origem e Destino no site da SPTrans, e veja qual a melhor linha ativa para você.
Muitas são desligadas aos sábados e domingos Neste link, faça o download do arquivo atualizado com todas as linhas da cidade — o que inclui as que não funcionam nesses dias
A SPTrans, gestora do transporte público por ônibus da cidade de São Paulo, informa que a criação de linhas considera critérios como a existência de trecho em que há um raio de 500 metros sem atendimento, inexistência de linha para a demanda local e necessidade por aumento na taxa de crescimento populacional.
A empresa ressalta que são avaliadas as condições técnicas da região, a exemplo de largura da via, sentido de circulação, condições do pavimento, topografia, acessos internos aos bairros e uso e ocupação do solo. É necessário, ainda, um espaço para acomodação dos coletivos nos pontos inicial e final com infraestrutura de apoio aos operadores, como banheiros. Sobre linhas desativadas no fim de semana, a SPTrans informa que algumas deixam de funcionar “em virtude da redução de demanda” e que ficam inativas as que “operam em trechos em que o atendimento é feito por outras linhas que realizam trajeto sobreposto ou similar”.
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Faltou planejamento desde o princípio. O sistema de transporte por ônibus na cidade de São Paulo cresceu de forma desordenada sem acompanhar as necessidades da população, avalia o especialista em mobilidade Rafael Calabria, do Idec. “É histórica essa desorganização”, diz.
Os ônibus começaram a circular em 1909 com o surgimento de novos bairros, mas a CMTC — companhia pública que deixou de operar com esse nome em 1995 e veio a ser substituída pela atual gestora, a SPTrans — só seria criada em 1947. Mesmo assim, para atender os bairros centrais, como Sé, Jardins e República, os bairros periféricos ficaram com as empresas privadas, sem regras.
Além disso, Calabria explica que a CMTC passou a coordenar o transporte coletivo da cidade como um todo apenas em 1975, ou seja, quase 70 anos depois do começo da circulação dos coletivos, e trinta de sua própria criação.