Em Belém, jovens da Terra Firme avançam no protagonismo

A produtora cultural Kleidiane Souza participa de atividade na Terra Firme: além do audiovisual, o Cine Clube TF tem grupos de trabalho de dança, poesia, teatro, canto e arte visual. Ações em parceria com outros coletivos, como a da foto, também são promovidas. Foto: Cine Clube TF/Divulgação

14/07/2021 - Tempo de leitura: 3 minutos, 30 segundos

O Cine Clube TF surgiu da inquietação que a educadora Lília Melo tinha com o estigma de violência que marca Terra Firme e outras regiões periféricas de Belém. Lilia é professora de Sociologia da rede pública do estado do Pará. Àquela altura, em 2018, estudos sobre violência de diversas instituições apontavam a capital paraense como uma das mais violentas do mundo.

No Brasil, segundo o Atlas da Violência daquele ano, a cidade superava todas as outras na taxa de assassinatos: 77 a cada cem mil habitantes. A Terra Firme trazia o trauma de 2014, quando uma chacina policial paralisou a cidade e ceifou a vida de vários jovens.

Foto: Cine Clube TF

Onde tudo começou

Quando o filme Pantera Negra estreou no Brasil, em 2018, Lília enxergou no enredo uma mensagem social e resolveu levar seus alunos ao cinema. O longa dirigido por Ryan Coogler entrou para a história como o primeiro filme de super-herói negro.

Em média, o passeio ao cinema custaria R$ 55 por pessoa e muitos não conseguiriam pagar. Por meio da mobilização em redes sociais, e tendo como principal campanha a doação de qualquer valor para contribuir com a ida dos estudantes, a iniciativa cresceu e ultrapassou os muros da instituição. Começaram a ocorrer encontros em praças e ruas para a realização de intervenções artísticas, culturais e diálogos políticos entre escola e comunidade.

Aquela ida ao cinema ainda rendeu um documentário produzido por alunos, ex-alunos e comunidade escolar. Roteiro, depoimentos, edição de imagens e finalização foram extraídos dos celulares dos estudantes. Tudo produzido por eles mesmos com os mínimos recursos que tinham.

Na época, o Cine Clube TF ainda tinha o nome “Juventude Preta e Periférica: do Extermínio ao Protagonismo”. Mas já promovia outras ações. A faculdade de comunicação da Universidade Federal do Pará ministrava oficinas de audiovisual e escrita, por exemplo, enquanto coletivos e indivíduos de periferia atuavam como articuladores locais.

Na avaliação de Lília, é preciso ressignificar certos lugares e desmistificar que na periferia só existe um cenário de crime e violência. “Acredito na educação que transforma o social, que liberta”, diz a professora. “Todo educador precisa escutar seus alunos e incentivá-los a ocuparem os lugares que são nossos, através da arte e do audiovisual.”

Protagonismo

Com a ajuda de Arthur Costa, ex-aluno, Lília inscreveu o filme no Festival Osga de 2018, da Universidade da Amazônia, onde recebeu o prêmio de melhor documentário independente e foi projetado em tela de cinema. De meros espectadores os alunos passaram a ocupar o espaço de protagonistas, com reconhecimento de sua própria produção documental.

Kleidiane Souza, 26 anos, moradora da Terra Firme, teve seu percurso tocado diretamente pelo Cine Clube TF. Vivenciou o coletivo, hoje é sua produtora cultural e conta que essa formação despertou um talento adormecido e a fez perder a vergonha de falar em público. “Nunca pensei em estar dando uma entrevista, porque tenho muito a dizer e em toda minha trajetória ouvi histórias para silenciar a gente”, diz Kleidiane, para quem o Cine Clube TF é uma porta aberta a jovens que precisam de uma oportunidade para se expressar. “É gratificante ver o voo de cada integrante dentro do projeto”, afirma.

Resultados

O projeto cultural Cine Clube TF já alcançou mais de quatrocentos jovens da periferia de Belém e muitos hoje trabalham no mercado audiovisual e recebem por suas produções independentes. Atualmente 10 a 15 voluntários integram o programa.

Desde o início da pandemia as atividades ocorrem de forma remota. Quando são feitas presencialmente, têm a participação reduzida. Além da produção audiovisual, há grupos de trabalho de dança, poesia, teatro, canto e arte visual, além de saraus temáticos.

O movimento chega a pontos vermelhos da Terra Firme e de outros bairros periféricos considerados zonas de risco por terem o acesso controlado pelo tráfico.