Energia elétrica no Rio: moradores se unem em busca de soluções

"Para diminuir os efeitos da precariedade energética é importante estabelecer metas para os próximos meses de calor forte, uso intensivo de ventilador, ar-condicionado e geladeira. Outro ponto de reflexão: os órgãos competentes devem ser justos e não beneficiar apenas áreas nobres, esquecendo-se que quem faz a cidade girar são os trabalhadores das periferias." Ilustração: Anna Paula Rodrigues/Expresso Na Perifa

24/08/2021 - Tempo de leitura: 5 minutos, 15 segundos

A energia elétrica não chega com qualidade nas áreas periféricas — ou chega do jeito errado. Essa distribuição precisa ser encarada, estudada e resolvida

Beatriz Carvalho é jornalista e colaboradora do coletivo PerifaConnection, no Rio de Janeiro

O Rio de Janeiro e o resto do Brasil estão prestes a mergulhar no estresse de consumo de energia elétrica por causa da aproximação das estações mais quentes do ano. Isso ocorre em meio a uma grave crise hídrica, já que as chuvas necessárias para aumentar os níveis dos reservatórios das usinas hidrelétricas não vieram. Teremos racionamento e podem ocorrer apagões. Outra crise — sem precedentes e que piora o cenário — é sanitária, de saúde e econômica, causada pela pandemia de covid-19 e turbinada por instabilidade política. Quem mais sofre é a população pobre.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua) dizem que, em 2019, 99,8% dos lares brasileiros tiveram acesso à energia elétrica, seja fornecida pela rede geral, seja por fonte alternativa. Por mais que esse dado pareça animador, o dia a dia na periferia mostra que a distribuição é desigual. A energia elétrica não chega para todo mundo.

Nos territórios favelados, historicamente negligenciados pelo Estado e por concessionárias — que em alguns territórios ainda têm dificuldade de entrar por causa do crime organizado, o que acrescenta aos problemas os desafios da segurança pública, e não só energética —, muitos moradores ficam sem cobertura e recorrem à ligação clandestina e improvisada, o “gato”, para que a geladeira funcione. A clandestinidade pode ser considerada uma distorção social, porque em uma sociedade igualitária esse artifício não existiria e haveria distribuição digna de eletricidade para todos.

Quem arrisca a própria vida e dos seus não faz isso por vontade própria, mas sobretudo porque o serviço não as alcança com qualidade e muitas (muitas) vezes, quando alcança, dificuldades econômicas se impõem. E as previsões são sombrias: cálculos preliminares da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) preveem um aumento médio de 16,68% nas tarifas de energia em 2022. De acordo com a agência, um dos principais motivos é justamente a crise hídrica — a pior dos últimos 91 anos.

Entender e debater a realidade nas favelas é atemporal e necessário para a compreensão dos problemas sociais

Justiça energética

Embora o acesso à energia elétrica não seja reconhecido como direito na Constituição de 1988, há uma proposta de emenda à constituição que visa  estabelecer o acesso à energia como direito social em todo o Brasil. Além da PEC 44/2017 (a consulta pública está aberta e você pode participar), outra proposta que nos ajuda a entender a problemática elétrica é a justiça energética.

Para obter a chamada justiça energética, é preciso fazer um planejamento que contempla segurança, qualidade e sustentabilidade na distribuição e no combate à pobreza energética. O conhecimento obtido com as bases e os estudos sob esse conceito subsidia a formulação de melhores políticas públicas do sistema elétrico. O termo vem sendo usado no contexto brasileiro considerando desigualdades, a exemplo de diferenças raciais, de classe e de gênero, no acesso aos serviços.

Nós por nós

Temos de questionar: a população empobrecida ficará à espera de resoluções do governo? O que faremos se houver sobrecarga nas redes elétricas? De certa forma, essas perguntas são respondidas nos territórios favelados e periféricos com o “nós por nós”. A união dos moradores se manifesta desde o ato de emprestar um copo de açúcar até buscar água em cisternas. Quando o poder público não alcança os espaços desassistidos, a população se mobiliza para obter um bem viver mais adequado para a comunidade.

Há iniciativas positivas que impulsionam novas realidades para moradores de favelas cariocas. Elas trabalham outras fontes de energia como a solar e a renovável. Uma dessas ações tomou corpo em 2015 no Vale Encantado, situado no coração da Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro. A pedido de uma liderança local, que buscava uma solução para o tratamento do esgoto sanitário da comunidade, um grupo de pesquisadores, engenheiros, pedreiros e trabalhadores locais construiu um biossistema de esgoto doméstico formado por um biodigestor.

Um biodigestor funciona como um grande tanque, onde o material orgânico depositado é consumido por bactérias e desse processo resultam ao menos três subprodutos que são fontes de energia renováveis: biogás, biofertilizante e adubo. Pensados para atender as 28 casas da favela, por enquanto os biodigestores foram conectados a cinco residências e já têm capacidade de produzir biogás, componente energético essencial na produção do gás de cozinha para uma família.

Em outra ponta do Rio, mais precisamente na Babilônia e no Chapéu Mangueira, na zona sul, a associação sem fins lucrativos RevoluSolar promove a geração de energia solar e ainda oferece cursos de capacitação profissional e educação ambiental. A montagem dos tetos solares começou em fevereiro de 2021 na associação dos moradores das comunidades. O objetivo é beneficiar 35 famílias, tendo elas as contas de luz com redução de 30% no valor mensal cobrado e ainda com a vantagem de todas estarem consumindo energia limpa. A RevoluSolar e os moradores da região estão se preparando para receber a primeira cooperativa de energia solar numa favela brasileira.

Finalizando e apontando um direcionamento para aqueles comprometidos com a eficiência energética nas favelas: para diminuir os efeitos da precariedade energética é importante estabelecer metas para os próximos meses de calor forte, uso intensivo de ventilador, ar-condicionado e geladeira. Outro ponto de reflexão: os órgãos competentes devem ser justos e não beneficiar apenas áreas nobres, esquecendo-se que quem faz a cidade girar são os trabalhadores das periferias.

A energia elétrica para todos é extremamente necessária, principalmente para garantir que as futuras gerações faveladas tenham acesso à eletricidade e qualidade de vida.