São gigantes os desafios de mobilidade nas metrópoles. Nas comunidades, o problema do deslocamento é ainda maior e surgem alternativas criadas pela própria população
Reportagem Kdu dos Anjos, Lá da Favelinha, em Belo Horizonte
Lana Souza é jornalista de formação e comunicadora popular. Atualmente, cuida da administração do Coletivo Papo Reto, que atua no Rio de Janeiro pautando direitos humanos nas favelas por meio da comunicação e da educação. “Nossa mobilidade se dá basicamente por Kombis e mototáxis. Antes, tinha também o teleférico, que era responsável por transportar milhares de pessoas por dia e está há quase cinco anos parado, sem manutenção e sem previsão de voltar a funcionar.”
A jornalista destaca uma solução simples, e de certa forma revolucionária, adotada por moradores do Complexo do Alemão: a conexão por meio grupos do WhatsApp que permitem monitorar o que acontece nas favelas. Os integrantes das redes são moradores e em grande maioria pessoas inseridas na dinâmica da comunidade, de donas de casa que precisam levar os filhos pra escola até motoristas de Kombi que conduzem as pessoas para outros bairros. Mototaxistas e comerciantes também são membros. No dia a dia, o grupo funciona para assuntos diversos: é possível solicitar mototaxistas ou saber se há alguma operação policial, por exemplo — os moradores não temem a polícia por serem criminosos, mas as operações costumam ter cenas de guerra. Se um filho estiver na rua e uma informação de conflito circular pelo grupo, a mãe sabe o que está acontecendo.
Na época em que o DJ Renan da Penha foi preso [em abril de 2019, depois de ter sido inocentado em primeira instância], um dos argumentos para a prisão era que ele participava de grupos de WhatsApp que avisavam da presença da polícia na comunidade. Mas essa prática de monitoração tem sido adotada pelos moradores do Complexo do Alemão na tentativa de reduzir os danos causados pelas operações no território. “Até uma questão de mobilidade e segurança acaba sendo criminalizada quando é feita por pessoas de favela”, diz Lana.
Em São Paulo, desde 2012 o coletivo Poetas Ambulantes faz intervenções em ônibus, trens e metrôs com o intuito de levar poesia para pessoas que não estejam esperando por isso. Funciona como um sarau itinerante, em que os artistas atravessam os corredores dos veículos, escolhidos aleatoriamente, recitando poemas e distribuindo seu trabalho.
Uma das organizadoras do movimento é Carolina Peixoto, pedagoga que está há oito anos na cena cultural. Ela conta que o grupo começou em uma tentativa de intervenção artística em local público: eles usaram giz para escrever poesias na calçada da Rua Vergueiro [região central da cidade], mas uma chuva acabou com a obra sem que ninguém pudesse vê-la. No dia seguinte, uma amiga deu a ideia de mostrar o trabalho no transporte público, com bordões geralmente usados por vendedores ambulantes. O grupo não imaginava a repercussão do projeto, diz Carol, e acabou encontrando um verdadeiro “palco democrático”.
“Podia estar matando, podia estar roubando, mas estou aqui distribuindo poesias.” Esse costuma ser um bom começo para os saraus-surpresa dentro dos ônibus em São Paulo
Toda a ação do coletivo é feita sem equipamentos de amplificação de som, sem autorização do metrô e, na maioria das vezes, sem apoio governamental. Pelo contrário, repressões, até da Polícia Militar, já marcaram algumas das apresentações.
Em trânsito, os poetas dizem ter facilidade para identificar as classes sociais dos bairros em que transitam e que os problemas percebidos e relatados em cada zona da cidade são distintos em diferentes dias e horários. Vão desde saneamento básico à superlotação. Na viagem, com sorte, os passageiros podem dar um respiro: se as pessoas geralmente vão a saraus depois de uma jornada diária, em um projeto como esse a poesia as alcança inesperadamente no transporte público.
Os grupos de WhatsApp no Complexo do Alemão e os Poetas Ambulantes no transporte público paulistano são exemplos de melhorias para as comunidades que surgem dentro das comunidades. Tudo a partir de ideias criativas e que facilitam os corres diários enfrentados por milhares de pessoas.