Mobilidade para pessoas com deficiência: o que diz a lei sobre a locomoção

Legislação existe no papel, mas há muitos desafios cotidianos para as PCDs. Foto: iStock
Danielle Blaskievicz
25/11/2019 - Tempo de leitura: 4 minutos, 57 segundos

Normatizações como o Estatuto das Pessoas com Deficiência (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – 13.146/2015), o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), leis estaduais e municipais se complementam para garantir aos mais de 46 milhões de brasileiros que se encaixam nesse perfil o direito de ir e vir, como prevê a Constituição Federal. Para quem vive essa realidade, no entanto, há muita teoria e pouca iniciativa concretizada. 

O antropólogo Manoel Negraes, que tem baixa visão, afirma que  a sociedade vem avançando gradualmente na oferta de serviços para esse público, mas ainda não no ritmo adequado. Negraes, que atua na área de defesa dos direitos das pessoas com deficiência há mais de uma década, diz que quando o assunto é a mobilidade urbana – calçadas e transporte público principalmente – o Brasil está muito longe do ideal, no comparativo com outros países. 

Um dos desafios, segundo o antropólogo, é justamente a percepção de que a deficiência vai muito além do comprometimento físico. Inclui acessibilidade de comunicação para pessoas com baixa visão ou audição, entre outros fatores. Para ele, o Estatuto da Pessoa com Deficiência é um importante marco e que contou com a ampla participação do segmento, além de ser uma lei moderna e abrangente. No entanto, ainda precisa ser colocada em prática, efetiva em toda a sua dimensão.

Rebeca Paciornik Kuperstein, CEO e fundadora da startup Pernas Pra Que Te Quero, instituição que busca a inclusão social de crianças e adultos em cadeiras de rodas, lembra que existem diferentes graus de deficiência e também diversos problemas de saúde que levam uma pessoa a ser classificada como PCD – desde questões como deficiência auditiva e membros amputados até doenças de origem neurológica ou resultado de sequelas de acidentes.

Mas eles têm um desafio em comum: a dificuldade de transitar pelas cidades brasileiras sem percalços. E dá como exemplo as calçadas em qualquer localidade, que não seguem nenhuma padronização ou cumprem as exigências da legislação urbana.

Mudanças na lei

A advogada Fernanda Kruscinski, que atua na área de Direito de Trânsito, destaca que a partir do Estatuto da Pessoa com Deficiência foram promovidas diversas alterações na legislação em vigor, especialmente junto ao CTB.

Por isso, hoje existe maior sinalização nas vagas destinadas às PCDs, além de multas severas para quem ignorar as vagas preferenciais. Outras conquistas de maior amplitude diz respeito às áreas de circulação, além de mais garantias e direitos no processo de habilitação.

A legislação de trânsito, por exemplo, é de responsabilidade da União, mas estados e municípios também podem legislar sobre o assunto, através de leis complementares, desde que estejam em acordo com o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

Com relação ao transporte e a mobilidade urbana, Fernanda salienta que o Estatuto da Pessoa com Deficiência prevê a obrigação de melhorias quanto aos serviços prestados a PCD seja por trens, ônibus, metrô, táxi e até aplicativos de transporte.

Essas melhorias atingem normatizações municipais e estaduais como plano diretor, Códigos de Obra e de Posturas e outras regulamentações que devem se orientar pelas regras de acessibilidade previstas em leis e normas técnicas. 

Prestadores de serviços de transporte, por exemplo, precisam garantir o acesso a essa parcela de usuários. Aí, além de veículos adaptados, devem estar previstas estações de ônibus, pontos de paradas, entre outras estruturas.

Fernanda Kruscinski lembra que os serviços particulares também se enquadram nesse quesito, ao oferecer calçadas adaptadas a portadores com deficiência, rampas de acesso e banheiros acessíveis. E ressalta que não basta apenas ofertar a estrutura física para atender à regulamentação. É necessário orientar e capacitar os colaboradores para prestar a assistência adequada aos portadores de deficiência. 

Para a advogada, transformar em realidade todas essas leis depende ainda de um melhor entendimento do que é a pessoa com deficiência por parte da sociedade. Segundo ela, a população em geral possui uma visão restrita do que é o PCD, limitando-as aos portadores de deficiência física (motora) e ignorando as dificuldades visuais, auditivas, mental e intelectual. 

Desafio coletivo

Além da criação de políticas públicas e a conscientização da população, pessoas com deficiência precisam de serviços qualificados e acessíveis. Muitas empresas e entidades já perceberam essa demanda e vêm criando soluções para atender esse público. 

Na Pernas Pra Que Te Quero, por exemplo, uma das soluções é um dispositivo portátil para ser adaptado à cadeira de rodas e que garante a estabilidade do cadeirante no momento do deslocamento. Rebeca Paciornik Kuperstein destaca que é uma forma de garantir inclusão social e mais convivência familiar ao PCD. 

A startup Veever desenvolveu uma ferramenta para dar suporte às pessoas com deficiência visual ou de orientação. A partir de dispositivos instalados no ambiente urbano – locais públicos, lojas e outros pontos previamente cadastrados –, o aplicativo Veever emite orientações em áudio para o usuário, proporcionando mais autonomia e segurança. 

O co-fundador do Veever App, João Pedro Novochadlo, fala que a ferramenta foi desenvolvida com foco na mobilidade urbana relacionada ao transporte. No entanto, no decorrer do projeto outros problemas foram identificados e daí a necessidade de se mapear escolas, shoppings, hospitais e eventos para torná-lo eficiente. Apesar de já estar disponível para download, o Veever ainda depende da aderência de organizações públicas e privadas para maior abrangência de espaços inclusivos.