Eletrificação Oniibus SP
Durante 25 anos em que dirigiu ônibus com motor a diesel, o motorista Cláudio Henrique de Assis chegava em casa depois da jornada de trabalho com dores no corpo, fatigado e com dificuldade para dormir. Era o resultado de um expediente desgastante, provocado pelas trocas de marchas constantes, a perna direita muito próxima do compartimento quente do motor dianteiro e pelo barulho natural do veículo.
“Eu saía do meu posto de trabalho com as pernas dormentes e a sensação de não ter chão para pisar”, afirma. “Minha saúde mental estava abalada e isso é uma realidade entre meus colegas.” Há dois meses, a rotina de Assis começou a mudar. Profissional da empresa A2 Transportes, que opera na zona sul da cidade de São Paulo, ele agora conduz diariamente um ônibus elétrico em seu turno, das 4h55 às 14 horas.
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“A qualidade de vida melhorou. Até a relação com os passageiros está diferente”, diz. Assis é um dos motoristas treinados para dirigir os dois veículos movidos a bateria da A2 (um da BYD e outro da Ankai Brasil).
Para ele, não há como contestar os benefícios do ônibus elétrico. “Ele é confortável, o câmbio automático dispensa os movimentos contínuos do pé na embreagem e da mão na alavanca de câmbio e o silêncio proporciona uma tranquilidade total no ambiente”, enumera.
Assis conta que o ronco do motor diesel é um dos principais tormentos para quem trabalha no transporte urbano. “Minha atividade exige muita atenção e o barulho permanente no ouvido atrapalha o raciocínio”, destaca.
O som estrepitoso gerado pelo motor não prejudica apenas a concentração. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), níveis de ruído acima de 75 decibéis são prejudiciais à audição e podem causar distúrbios do sono e estresse. O nível dos ônibus convencionais chega a 80 decibéis, contra 60 a 70 do elétrico.
“Quando eu chegava em casa, não tinha ânimo para nada. Só queria tentar relaxar. Hoje, me sinto mais disposto e assisto aos meus programas de TV com a cabeça tranquila, até nos dias em que faço uma viagem extra a pedido da empresa”, diz.
A tendência é que muitos colegas de Assis tenham os mesmos impactos positivos. Segundo Roberto Angerami Teixeira Leite, advogado da A2 que participa diretamente do processo de aquisição, mais 100 ônibus elétricos deverão chegar até o fim do ano, substituindo paulatinamente os modelos a diesel da frota de 469 veículos da empresa.
“Além das vantagens das novas tecnologias, como economia na manutenção e desgaste menor das peças, zelamos pela qualidade de vida dos motoristas. E o feedback deles é de que o ônibus a diesel não se compara ao conforto do elétrico”, relata.
Se Assis sentiu na pele os efeitos positivos do modelo elétrico, o motorista Renato José da Silva não notou, no primeiro momento, a diminuição no volume de sua voz. “Depois que comecei a dirigir esses ônibus silenciosos, há dois meses, minha mulher perguntou um dia: ‘por que você está falando tão baixo?’ Percebi, então, que eu sempre gritava para compensar o barulho do motor a diesel e isso acontecia, inclusive, fora do ambiente de trabalho”.
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Silva é motorista profissional há 21 anos e está na Auto Bless Transportes (ex-Transcap) desde 2015. A troca dos ônibus diesel pelos elétricos nas três viagens diárias que executa na linha Campo Limpo-Lapa, ligando os bairros da zona sul à zona oeste de São Paulo, mexeu de imediato com seu humor.
“A experiência é totalmente diferente. O conforto diminuiu o estresse e, no início, até estranhei o silêncio a bordo. É como estar sentado no sofá de casa”, diz. Quando soube que foi escolhido para operar um dos 88 ônibus elétricos da empresa após um treinamento, Silva se assustou um pouco: “Fiquei na dúvida se daria conta, mas logo me acostumei com a novidade”.
Ele garante que as dores nas pernas e nos braços foram rapidamente substituídas pelo bem-estar. “Imagine dirigir 23 quilômetros em cada trajeto pisando toda hora na embreagem para andar, no máximo, em terceira marcha. É muito cansativo. Esse esforço exagerado acabou”, comemora.
O cansaço diminuiu e o movimento da sala do Serviço de Atendimento ao Motorista (SAM) da Auto Bless também. Segundo Claudiana Cristina de Souza, diretora de planejamento estratégico e controles da empresa, a procura dos profissionais pelo SAM para expor problemas de saúde, pessoais e profissionais está 30% menor desde a implantação dos ônibus elétricos na frota.
“Com tanto barulho, trepidação e calor presentes nos ônibus a diesel, além das dificuldades inerentes ao trabalho, é impossível o motorista estar com a saúde mental 100%. A eletrificação vem ajudando a modificar essa situação”, completa.
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Com a vigência da lei 16.802/2018, que estabelece a redução de emissões do transporte público em 50% até 2028 e 100% em 2038, a cidade São Paulo vai aumentando sua frota de ônibus elétricos.
Segundo a SPTrans — orgão responsável pela gestão da rede de transporte de passageiros do município –, São Paulo tem, atualmente, 841 ônibus elétricos em operação — 640 movidos a bateria e 201 trólebus, que deixam de consumir 29,6 milhões de litros de diesel por ano, volume suficiente para emitir 69 mil toneladas de CO2.
Outras ações estão em andamento para ajudar na descarbonização da cidade, como a conclusão de sete projetos para a instalação de equipamentos de BESS (sigla em inglês para sistema de armazenamento de energia de bateria), que poderão multiplicar seis vezes a capacidade de recarga nas garagens das transportadoras. Também está prevista a publicação de um chamamento público para as empresas apontarem soluções que contemplem desde a geração do biometano até a sua distribuição nas garagens, criando mais uma opção para a descarbonização do transporte urbano de passageiros.