Transição energética: projetos de estradas eletrificadas começam a sair do papel no exterior

Suécia está construindo a primeira estrada energizada permanente do mundo, que deve ter 3 mil km de extensão e ficar pronta em 2035. Foto: Adobe Stock

Há 3 dias - Tempo de leitura: 5 minutos, 56 segundos

Projetos de estradas eletrificadas começam a ganhar peso em vários países do mundo. O sucesso da eletrificação automotiva global depende diretamente da infraestrutura de recarga dos centros urbanos e das estradas. Mas a escalada da tecnologia no setor pode sinalizar que os eletropostos instalados nas beiras das rodovias serão menos necessários no futuro – ao menos nos países mais desenvolvidos.

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Em locais com maior poder aquisitivo e que fecham o cerco contra os motores a combustão, entretanto, o desenvolvimento de vias eletrificadas já saiu do papel.

É o caso da Suécia, que está construindo a primeira estrada energizada permanente do mundo. Com três mil quilômetros de extensão previstos até 2035, ela permitirá que as baterias sejam recarregadas com os veículos em movimento.

Dessa forma, por exigir aportes financeiros elevados, empresas envolvidas na transição energética veicular atuam em parceria

Gigantes internacionais como Siemens, Electreon, Elonroad e Aleatica injetam recursos não só na Suécia, mas também em projetos na Alemanha, Itália, França e Noruega, de acordo com o Conselho Internacional de Transporte Limpo.

A sinergia é fundamental, pois a construção de cada quilômetro da estrada eletrificada pode chegar a US$ 10 milhões.

“Essas rodovias ainda estão sob avaliação e experimentação em diversos países. A estruturação e a implementação da tecnologia, contudo, exigem investimentos vultosos”, afirma Marco Barreto, professor de engenharia mecânica da Fundação Educacional Inaciana (FEI), em São Bernard do Campo (SP). “Mas a promessa de ampliar a autonomia dos carros elétricos em trajetos extensos parece promissora.”

Campo magnético das estradas eletrificadas

Ele destaca que, além das barreiras econômicas, os principais obstáculos da implementação da tecnologia são a otimização da transferência de energia e a compatibilidade entre automóveis e vias eletrificadas.

“Em compensação, as vantagens são significativas, como eliminar as interrupções das viagens para a recarga e a possibilidade de reduzir o tamanho das baterias, que ocupariam menos espaço e diminuiriam o peso dos carros”, diz.

Apesar do entusiasmo de Barreto, a eletrificação das estradas parece uma realidade muito distante da transição energética brasileira (veja abaixo).

A tecnologia, chamada dynamic wireless charging (carregamento dinâmico por indução) consiste na instalação de bobinas embaixo da superfície das vias e conectadas à rede de energia. Elas geram um campo eletromagnético que se comunica com um receptor ligado à bateria do veículo. O princípio da recarga por indução é similar ao usado em modelos de celulares que, hoje, dispensam os cabos de carregamento.

Outro sistema em estudo é o de um braço mecânico acoplado na parte de baixo dos automóveis que, acionado, se encaixaria no trilho da estrada para iniciar o repasse de energia. Enquanto as vias eletrificadas não se tornam realidade, algumas cidades fazem testes e experiências.

Em Detroit (Estados Unidos), que já foi considerada a capital mundial do automóvel a combustão, a Electreon, companhia israelense de soluções de carregamento sem fio, preparou uma rua de 400 metros com bobinas magnéticas para recarregar os veículos de forma indutiva.

“A tecnologia vai acabar de vez com cabos e conectores”, garante Stefan Tongur, vice-presidente da Electreon. “O próximo passo é estender o comprimento da ‘rua inteligente’ para 1,6 quilômetro. Será uma forma de testar a tecnologia em um ambiente urbano ideal.”

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Preço vai cair

O otimismo de Tongur, porém, esbarra na preocupação com os valores, uma ameaça para a tecnologia ser aplicada em escala. O dirigente da Electreon acredita que os custos tendem a cair, como acontece após a massificação das tecnologias. “O quilômetro chegará a US$ 750 mil e o preço do receptor de 35 kW será de US$ 1 mil”, estima.

Os estudos também acontecem na Europa. A França planeja construir nove mil quilômetros de estradas eletrificadas até 2035, usando cabos aéreos, trilhos ou carregamento por indução. Análises realizadas na Alemanha recomendam a instalação de quatro mil quilômetros de cabos aéreos ou infraestrutura de recarga indutiva na malha rodoviária do país.

A tecnologia, porém, não é unânime. “A logística e o custo tornam a recarga sem fio impraticável”, afirma Ashley Nunes, pesquisador da Faculdade de Harvard (EUA). Stefan Tongur rebate: “A eletrificação não foi prevista para todas as vias. Assim, é preciso adotá-la onde faz mais sentido, como nos corredores de trânsito usados por frotas comerciais”.

Carlos Roma, CEO Riba Brasil, empresa de soluções de descarbonização, concorda com Tongur. A seu ver, as estradas autocarregáveis têm futuro, apesar da convicção da indústria de que as baterias ficarão tão boas a ponto de eliminar a ansiedade por autonomia. “Tecnologias disruptivas demoram para se viabilizar economicamente, mas com o tempo elas se pagam”, atesta.

Ele cita a indústria da aviação como exemplo: “Aviões comerciais a jato foram considerados inviáveis e hoje não vivemos sem eles. Com as estradas inteligentes será a mesma coisa, mas elas farão mais sentido para os veículos comerciais”, conclui.

Estradas eletrificadas parecem distante da realidade brasileira

A viabilidade das estradas eletrificadas no Brasil divide opiniões. De acordo com Davi Bertoncello, diretor executivo da Tupi Mobilidade, a tecnologia é especialmente promissora para corredores logísticos e transporte coletivo. “A inovação acende um sinal estratégico no País: precisamos integrar a mobilidade elétrica ao planejamento de infraestrutura viária e energética”, afirma.

Para o executivo, a política pública tem de deixar de ser reativa, a fim de adotar soluções de ponta. “A politica deve ser indutora, criando bases para que o setor privado invista e inove em soluções adaptadas à nossa realidade”.

Para Carlos Roma, da Riba Brasil, “apostar em rodovias com essa tecnologia onde a Transamazônica nem está concluída é um sonho”. “Mesmo assim, a estrada eletrificada faz sentido em um País que dispõe da energia mais limpa do mundo”, avalia.

Já o CEO da EVPV Power, Diogo Seixas, é enfático: de acordo com ele, as estradas eletrificadas não serão utilizadas no Brasil por motivos econômicos, regulatórios e mercadológicos.

“Além disso, não existem veículos elétricos compatíveis no mercado. Há apenas protótipos em testes para estudar viabilidade”, diz.

Segundo Seixas, as “estradas verdes” não serão o caminho da eletrificação nacional. “As recargas dos veículos elétricos continuarão sendo feitas durante as paradas para alimentação e repouso, da mesma forma que o usuário faz com o carro a combustão”, completa.

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