Apesar da existência de aplicativos que integram ônibus, veículos sobre trilhos, bicicletas, patinetes e carros, a mobilidade como serviço só deve decolar de verdade no Brasil a partir da integração dos meios de pagamento na palma da mão, como já ocorre em outros países.
“A solução é digitalizar a bilhetagem, levar tudo para um sistema digital e para dentro do celular”, afirma Pedro Somma, diretor de Estratégia da Maas Global, companhia finlandesa que em março adquiriu o aplicativo Quicko.
“Quanto mais fácil for para o usuário, maior será o aumento da demanda. Essa integração dos pagamentos facilitará também o uso da micromobilidade por bicicletas e patinetes, que levarão o passageiro de uma porta a outra”, ressalta Somma.
De acordo com o executivo, é essa facilidade que vai atrair mais usuários em qualquer cidade por fazer aquilo que só um automóvel conseguiria. “O próximo objetivo do Quicko é atuar como um serviço de assinatura, assim como o Netflix”, compara Somma. Segundo ele, o Quicko trabalha no Brasil para permitir já no ano que vem a liberação de catracas a partir da leitura de QR codes pelo celular.
Ele afirma que os serviços dentro do aplicativo avançam. Na cidade de Salvador (BA) já é possível ver saldo e extrato de um bilhete de transporte pelo Quicko. Na capital paulista pode-se carregar um bilhete único, mas a validação ainda tem de ser feita em pontos tradicionais.
A direção de outro aplicativo, o Moovit, terá de vencer as mesmas barreiras no Brasil. “Já integramos ônibus, barcas, teleféricos, bicicletas, patinetes, Uber, 99 Táxi. Só não temos o modelo 100% integrado por causa da forma de pagamento, que é sempre um problema no País”, afirma Pedro Palhares, diretor de Parcerias para a América Latina do aplicativo.
“A ideia é nos tornarmos uma One Stop Shop”, afirma, referindo-se à possibilidade de pagar todos os serviços dentro do Moovit. Ele informa que isso já é uma realidade em países da América do Norte, Europa e Oriente Médio.
A evolução nacional da mobilidade como serviço também passa pela necessidade de as cidades organizarem e abrirem seus dados de transporte público, informando linhas e itinerário dos ônibus, localização dos pontos de parada e grade horária.
Foi a possibilidade de acesso a essas informações que fez o Moovit entrar no Brasil no fim de 2013. “A empresa começou a atuar em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Itajaí, que já abriam esses dados na época”, diz Palhares.
Ele recorda que entrou na companhia em 2014 para apresentar o aplicativo e estabelecer um relacionamento com governos, prefeituras e donos de frota. Como resultado, o Moovit acabou se tornando o que Palhares chama de “Waze do busão”, com presença nas capitais brasileiras e também cidades com mais de 200 mil habitantes. O Moovit pertence desde 2020 à Intel, que se prepara para incluir os carros autônomos na mobilidade como serviço.
Para Francisco Christovam, presidente-executivo da Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU), a evolução da mobilidade como serviço só será completa quando o passageiro passar a ser tratado como cliente em vez de usuário. “Entendo o cliente como alguém que tem mais de uma opção, enquanto o usuário só tem aquela forma de fazer o trajeto, ele é um detalhe dentro de uma lógica.”
Ele ressalta que a mudança na forma de tratar o passageiro também passa pela melhoria do ambiente urbano. “Nossas calçadas são cheias de obstáculos e as paradas não oferecem iluminação e proteção em dia de chuva. Os ônibus nem sempre têm piso baixo e muitos ainda usam molas convencionais em vez de suspensões a ar. O passageiro encontra escadas fixas quando chega aos terminais. Também faltam sanitários. Não adianta ter meios de pagamento modernos se a qualidade da infraestrutura não acompanhar essa evolução.”
Christovam cita a necessidade de aumentar a prioridade ao transporte público, usando como exemplo a cidade de São Paulo, onde existem 17.000 km de vias. “Desse total, os ônibus circulam por 5.000 km, mas há apenas 500 km de faixas exclusivas e 150 km de corredores. É muito pouco para 13.000 ônibus”, lamenta.
O executivo revela que os coletivos recuperaram 80% dos passageiros que circulavam antes pandemia de covid-19. Na região central da cidade de São Paulo este índice já atingiu 93% e na periferia são 100%. “No entanto, esse usuário não quer mais andar espremido como antes”, conclui.