Segundo estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade, se toda a frota de ônibus de São Paulo tivesse sido 100% substituída por elétricos desde 2020, seriam evitadas 12.700 mortes até 2050, o que representaria cerca de R$ 46,5 milhões de economia com internações públicas e privadas. Ou seja, os debates sobre a mobilidade elétrica propostos pelo Planeta Elétrico são mais que necessários, são urgentes.
Em entrevista, Flávia Consoni, curadora do Planeta Elétrico, vinculada ao Instituto de Geociências, Departamento de Política Científica e Tecnológica, coordenadora do Laboratório de Estudos do Veículo Elétrico (Leve) e do curso de extensão sobre mobilidade elétrica da Unicamp, comenta sobre eletromobilidade em cidades que são referência mundial. Ela é enfática ao mencionar que todas as cidades que hoje estão na vanguarda da mobilidade elétrica contaram com a forte atuação do Poder Público em direcionar as ações, o que denota que esse envolvimento é fundamental.
Em relação à mobilidade e às emissões, quais são as duas cidades que você cita como modelos mundiais de boas práticas?
Flávia Consoni: Certamente, Shenzhen (na China) e Oslo (na Noruega). Segundo um levantamento em cidades referência em mobilidade elétrica realizado por Tatiana Bermudez, doutora vinculada ao Laboratório de Estudos do Veículo Elétrico (Leve), da Unicamp, Shenzhen está se expandindo em ritmo acelerado, principalmente devido às políticas públicas implementadas pela metrópole.
Atualmente, 100% da frota pública de ônibus é elétrica: saltou de 4 mil unidades, em 2015, para 16 mil, em 2018. De 2012 a 2018, o total de veículos elétricos cresceu 58 vezes. Além disso, a cidade possui o maior número de táxis elétricos do mundo e, agora, está avançando na eletrificação das frotas corporativas da prefeitura e da logística urbana.
Já Oslo vai além. De acordo com metas do documento “Política do Clima 2018-2029”, a Noruega pretende proibir as vendas de veículos com motor a combustão a partir de 2025 e de neutralizar as emissões em 2050. Em contrapartida, o país disponibiliza um conjunto articulado de políticas de estímulo ao consumo, tais como isenção de até 24% do valor de compra dos veículos elétricos, isenção ou redução de pagamento de estacionamento e pedágio, faixas diferenciadas de circulação, entre outras. Dessa forma, não é surpresa que o market share de veículos elétricos da capital do país tenha passado de 22%, em 2015, para 79%, em 2020.
Quanto tempo foi preciso para que os países mais avançados em eletromobilidade chegassem a esse nível de maturidade?
Consoni: A Noruega iniciou as primeiras políticas para a mobilidade elétrica lá pelos anos 1990. Há cerca de duas décadas, começou a desenvolver políticas para o consumo. Os frutos estão sendo colhidos agora, mas são anos de estudo e investimento. Estados Unidos, Japão e França começaram as primeiras experiências nos anos 1970, em função da crise do petróleo.
Em seu artigo “Tendências da Mobilidade Elétrica na América Latina e Ações em Curso no Brasil”, que será publicado em breve, você analisa uma série de iniciativas no continente. Quais são os destaques?
Consoni: Países em desenvolvimento precisam de outro olhar. E é a isso que esse artigo, desenvolvido pelo Leve no âmbito da Chamada 22, do P&D Aneel com a CPFL Energia, se propõe a apresentar análises que tragam um olhar próprio para a realidade e demandas das cidades.
Posso citar dois exemplos relevantes: Bogotá (na Colômbia) e Santiago do Chile, cidades altamente afetadas por alterações na qualidade do ar. E o que elas têm em comum é o primordial para a transição para veículos de baixa emissão: política pública. É por aí que a eletrificação tem que começar.
E o que essas cidades já realizaram?
Consoni: Santiago do Chile começou a implementação de projetos pilotos com ônibus elétricos em 2013. Em 2018, o Poder Público e empresas se juntaram, em parcerias público-privadas, para a implementação, em larga escala, de ônibus a bateria. Esse esforço em conjunto criou um modelo de negócio e abriu as portas a outras iniciativas, como veículos elétricos (VEs) e veículos a combustão, dentro da norma Euro VI, que é bem mais rígida em relação a emissões.
Na Colômbia, o estímulo à mobilidade elétrica vem por meio de leis, normativas, decretos e estratégias. Em Bogotá, especificamente, o tema da emergência climática foi reconhecido como assunto prioritário de gestão pública. A cidade pretende diminuir em 50% as emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2030, adotando medidas urgentes para substituir o uso de combustíveis fósseis.
Outro ponto bastante contundente é que, desde 1° de janeiro deste ano, a prefeitura de Bogotá só poderá fazer licitações ou contratar sistemas de transporte público com ônibus elétricos a bateria.
Com mais de 15 milhões de habitantes, São Paulo e Cidade do México têm realidades urbanas similares. Você acredita que elas estão em um caminho positivo em relação à eletromobilidade?
Consoni: O que a gente vê é que tanto a Cidade do México quanto São Paulo não têm foco em mobilidade elétrica, e sim em transporte de baixa emissão, o que está correto. Avaliam várias tecnologias combinadas. Além dos elétricos, que incluem também o trólebus, é preciso considerar o padrão Euro VI, ônibus a gás, biocombustível, híbrido: tudo isso também é uma resposta. Em países como o nosso, não será possível apenas migrar. Por isso, é importante combinar.
É fundamental pensar em modelos de negócios também. Por exemplo, o operador de ônibus, que é uma grande potência empresarial, recebe incentivos para comprar a frota e, em poucos anos de uso, passa adiante para outros grupos. Já é um processo que se retroalimenta.
Com o ônibus elétrico, isso não será possível. Ele precisará de cerca de dez anos para amortizar os custos de aquisição. Existem resistências que não são só financeiras, há as que são colocadas pelos atores do sistema. Como a gente rompe isso? Tem que ser por meio de políticas públicas. Confira, abaixo, algumas iniciativas nesse sentido.