No primeiro dia útil de 2023, começou a vigorar a resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) que regulamenta o sistema de livre de passagem em rodovias e vias urbanas, o chamado free flow. Trata-se de um sistema sem as tradicionais praças de pedágio: o fluxo é livre e o pagamento é proporcional à quantidade de quilômetros rodados. O principal objetivo é cobrar de forma igualitária todos os que utilizam as vias.
A primeira experiência com o sistema teve início em três pontos da BR-101/RJ (Rodovia Rio-Santos). A Via Dutra prevê o sistema em um trecho paulista, a partir do quarto ano da concessão, renovada no início de 2022. O potencial é enorme, já que, no Brasil, apenas 50% das pessoas realizam pagamentos automáticos.
O free flow nos mostra que criar soluções que permitam uma mobilidade mais fluida e democrática, seja no espaço urbano, seja nas rodovias, passa, necessariamente, pela tecnologia. E essa tecnologia do sistema, que já foi implementada em mais de 20 países, substitui as praças de pedágio tradicionais, combinando recursos de identificação por radiofrequência, com base em antenas, fixadas em pórticos, ao longo das rodovias.
Ao passar por esses pórticos, é feita a identificação e o registro do veículo, além de gerar a tarifa, automaticamente. O pagamento é finalizado quando a fatura chega ao endereço em que a placa do carro está registrada. O Chile, por exemplo, tem quase 20 anos de experiência na operação de rodovias no sistema. No Brasil, há uma série de estudos em andamento, especialmente no Estado de São Paulo.
Do ponto de vista de infraestrutura tecnológica, o modelo homologado para o pedágio free flow utiliza, prioritariamente, as tags. Há outras opções, como leitura de placa e solução mobile, mas a tag tem demonstrado ser a mais eficaz. Recentemente, a Associação Brasileira das Empresas de Pagamento Automático para Mobilidade (Abepam) apresentou à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) um amplo estudo com sugestões para a implementação do free flow no Brasil, com foco na adoção das tags como o modelo principal. Primeiro, porque já existe um sistema em uso em boa parte das rodovias brasileiras. Além disso, as tags contribuem para a redução do tempo de viagem de veículos leves e pesados porque permitem uma viagem mais fluida, promovem maior justiça tarifária e, por fim, reduzem o custo operacional das rodovias.
Embora exista certa preocupação com a inadimplência na operação inicial do modelo, dadas às questões comportamentais e culturais – ainda somos um país muito ligado ao pagamento físico do pedágio nas cabines –, a experiência internacional mostra que as vantagens superam os riscos. Em algumas rodovias estrangeiras, pagar a tarifa de pedágio após a viagem pode significar aumento de mais de 100%, em relação ao preço cobrado na modalidade automática, segundo o levantamento da Abepam.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a Northwest Parkway cobra de seus usuários até US$ 1,75 adicional pela cobrança posterior, com o aumento indo de 20% a 120%, em relação ao preço inicial. Em algumas rodovias chilenas, como a Ruta 68, os usuários pagam o dobro da tarifa original, independentemente do tipo de veículo ou do horário de passagem. E o pagamento deve ser feito em até 72 horas após a viagem. Ou seja, a pessoa tem de lembrar de realizar o pagamento depois de ter utilizado o serviço e por um curto período de tempo.
É aí que entra a questão cultural: é essencial haver uma conscientização dos brasileiros para essa nova forma de pagamento, com foco na mudança comportamental. Para que a adesão seja efetiva, é fundamental que se criem incentivos (planos de desconto, cashback, entre outros) para estimular a adoção desse meio de pagamento, já que é um modelo que pesa menos no bolso do usuário.
É um processo que envolve estudos de viabilidade tecnológica e operacional nas rodovias, além das questões culturais, como legislação, código de trânsito, identificação do veículo e motorista. Estamos avançando, e a expectativa é de que, nos próximos anos, o free flow seja cada vez mais uma realidade no Brasil.
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